Infanticídio

Sobre o desenho animado Happy Tree Friends

Pense em bichinhos muito fofinhos, eles olham para você com olhos redondos e arregalados e fazem onomatopéias próprias dos bebês. Sem motivo para desconfiar, pois seu maior atributo é a inocência, eles se empenham em tarefas pueris, como brincar, comer guloseimas, fazer piqueniques, tomar limonada ou dançar. Mas o mundo é cruel e resistir é inútil, por isso eles invariavelmente terminam massacrados, com requintes de sadismo e nojeira. A cena sempre inicia em cores pastéis e encerra vermelha, com vísceras derramadas e globos oculares correndo soltos das órbitas. O que estou descrevendo está disponível na Internet, veja o site: www.happytreefriends.com. Acesse, se tiver estômago. Alguns fãs compram os DVDs, em poucos países é possível ver episódios na TV, mas são pesados até para a estética sanguinária corrente.

Os púberes e adolescentes que popularizaram esses episódios de infanticídio são em geral curiosos e cultivam uma irreverência explícita. Aliás, são os mesmos que consomem filmes de terror asquerosos, nos quais se sobra vivo um casal de protagonistas é lucro; que escutam músicas, leêm quadrinhos ou jogam games onde a morte é sempre personagem principal. Mas quem diabos eles estão matando, torturando, esquartejando?

A vítima é a sua educação em cores pastéis. Esses jovens cresceram no mundo dos Ursinhos Carinhosos, dos Teletubbies, da Hello Kitty e do Ursinho Pooh. Suas famílias festejaram o dia da criança e os primeiros aniversários como datas magnas. Atentos à sua constituição delicada, falaram com eles na medida da sua compreensão, filtrando a realidade de tal modo a lhe minimizar a crueza. Não discuto se deve ou não ser assim, esse é o jeito como criamos nossos filhos, no melhor dos casos. Mas precisamos compreender que os maiores entusiastas do mundo cor de rosa são os adultos. A infância é um lapso de tempo caracterizado pela doçura e inocência, no contexto de uma vida assombrada pelo medo e a desesperança. Somos ótimos em criar ambientes protegidos, mas nos atrapalhamos na hora de fazer a transição para o mundo real.

Quando os inocentes bichinhos crescem, costumamos ficar apavorados: nossos filhos parecem ter se tornado máquinas sedentas de sexo, drogas e agressividade. Em geral não são nada disso. São simplesmente jovens que precisam quebrar a redoma para mostrar que não ignoram que a morte está rondando ali fora e que a vida é dura para quem é mole. Os corpos esquartejados são os das crianças fofinhas que eles foram. Além disso, na adolescência precisarão juntar seus pedaços, mas do seu jeito. O farão com a ajuda dos amigos, de algumas manias para se vestir e de bem vindas carícias, que desta vez não são feitas em família. Precisamos admitir, que para sair de uma infância tão enjoativa é preciso explodir a fábrica de doces. Feliz dia da criança, para todos.

06/09/04 |
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