Intempestivo
Sobre o significado virtual das palavras
Concordo com o Prof. Dr. em Lingüística Aplicada e Semântica Profunda Fernando Veríssimo quanto ao tipo de relação que devemos ter com as palavras: “a gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda”, diz ele. Quanto a mim, também tenho minhas birras com as palavras e suas regras. A pior delas é com o significado de “intempestivo”.O Prof. Aurélio afirma que essa palavra significa “inoportuno, súbito, imprevisto, inopinado”, mas não me resigno. Ao menos o significado oficial ainda lhe preserva uma irruptividade no tempo: fulano chegou intempestivamente! Mas ainda é pouco para o que imagino para ela. Intempestivo teria que ser um sujeito violento, que pode bater na mulher sempre que contrariado. Se mulher, estaria sempre pronta para quebrar toda a louça da casa. Para mim é óbvio que diz de alguém que possui tempestades na alma. Já seu significado usual dá a entender que um inadequado qualquer poderia ser considerado intempestivo. Sinceramente, eu esperava mais de uma palavra tão forte e bonita. Mas todo esse lero só para dizer que temos uma relação afetiva com cada palavra, nenhuma é banal. Tudo o que se diz e escuta produz algum efeito.
Nosso nome próprio é a palavra que carregamos com mais dificuldade. Certa vez encontrei um casal com seu bebê, os quais me explicaram que estavam esperando ele crescer para que decidisse o nome. Eu não queria estar no lugar daquela criança, cujo sexo, na falta de um nome, não lembro. Se já é missão impossível preencher com significados amealhados ao longo de uma vida a designação que recebemos, que dirá fazer jus a um nome escolhido por nós mesmos, o qual representaria nossas mais megalomaníacas e irrealizáveis fantasias.
Nosso nome resulta de um sonho consciente ou inconsciente de nossos pais, com o qual sempre poderemos de alguma forma nos confrontar. Mas se fossemos nomeados de acordo com nossas próprias exigências, seriamos um projeto destinado ao fracasso. “Diana” é a deusa romana da lua, dos animais e dos bosques, associada à Ártemis grega. Vou passar a o resto da vida tentando, inutilmente, ficar à altura disso. Mas imagine o peso, se eu mesma o tivesse escolhido: seria grande demais para mim.
Veríssimo tem razão quando defende a liberdade poética de submeter a língua à nossa vontade, disso depende o humor, a arte, da possibilidade de transcender as significações óbvias. Mas, igual, as palavras nos subjugam, seus efeitos mudam nossa vida o tempo todo. Além disso, elas brotam em nossos lábios de forma intempestiva, nos dois sentidos.