João e Maria na Fábrica de Chocolate
Sobre o remake de A fantástica fábrica de chocolate
Casas onde se pode comer até as paredes são uma cilada. Para mais informações consulte João e Maria e as crianças que visitaram a Fantástica Fábrica de Chocolate. Estas últimas tiveram ainda menos sorte do que os irmãos do conto de fadas. Na nova versão filmada do livro de Roald Dahl, Johnny Deep, no papel de Willy Wonka, recebe quatro crianças insuportáveis e um guri humilde para visitar sua fábrica. Ele está em busca de um sucessor para administrar seu império de delícias, mas na prática dedica-se a punir os pequenos egoístas e seus pais. A história de Dahl é um clássico de crítica social, um manifesto contra famílias que criam filhos agressivos e egocêntricos, cuja maior missão é realizar os desejos pendentes na vida dos pais: vá meu filho e arranque da vida tudo o que ela ficou me devendo. Como todos sabem, o herdeiro de Wonka já está escolhido, é o menino humilde.
Famintos, João e Maria encontraram a casinha de doces da bruxa e começaram a comer tudo, da porta ao telhado, certos de estar no paraíso, mas quase foram devorados. Ao entrar na fábrica o efeito era o mesmo, de encher os olhos e as barrigas, mas o risco que espreitava agora era diferente. Para os irmãos do conto folclórico, o perigo era “materno”: o de uma mãe que queria reincorporar seu produto Foi-lhes preciso sofrer um bocado, aprendendo a defender-se e a trabalhar, para que houvesse a troca dos bens digeríveis por outros mais mundanos (os tesouros da bruxa). Para as crianças que visitaram a Fábrica, o perigo era do tipo “paterno”: em suas famílias eram tratadas como reis, o orgulho dos pais, enquanto Wonka as considerava descartáveis e carentes de limites e castigos.
No filme de 1971, Wonka era uma mistura de feiticeiro sádico com fada dos doces, agora Deep faz o papel de um inventor maluco, que tem nojo de crianças e principalmente dos pais delas. Ele fora “traumatizado” por um pai dentista que, em nome da boca perfeita, o torturava com aparelhos e o proibia de comer doces. Essa é a novidade que separa a versão de Tim Burton do livro e do primeiro filme: temos uma psicogênese da bizarrice do dono da fábrica. Afinal, por que alguém que sofreu com a severidade de seu pai, odiaria os pais frouxos dos mal-criados? Pelo jeito, sua questão não é com os limites, mas sim com a expectativa delirante que pesa sobre os filhos. Charlie, o menino pobre, vem de uma família tão desvalida, que ninguém tem o que querer. Já Wonka quer aprisioná-lo e fazer dele seu herdeiro, num amor cheio de exigências, como o que lhe dedicou seu próprio pai. Enquanto João e Maria sofriam nas mãos da bruxa, Charlie enfrentava o perigo da voracidade de um pai possessivo. Tim Burton providenciou para que o menino não se entregasse, assim como Wonka quando se rebelou e fundou uma fábrica de cáries. É um alerta para as crianças: nem só as bruxas devoradoras assombram, certos pais também precisam ser jogados no forno.