Joelho ralado
quando precisam de nós uma acolhida, todo mundo é mãe
Certa vez me contaram uma cena infantil que nunca esqueci: um menininho caiu e, na ausência da mãe, sentou-se em um banquinho em frente à porta à sua espera; quando ela finalmente chegou ele começou a chorar mostrando o joelho ralado, como se aquilo tivesse acabado de acontecer. O consolo dela era imprescindível, não importando o tempo que tivesse que ser aguardado. Lembro dessa cena porque acredito que nossa tristeza precisa de alguém para acolhê-la.
Mesmo crescidos, estaremos dispostos a esperar para dedicar as lágrimas a quem possa recebê-las. É claro que também choramos sozinhos, nem todas nossas tristezas precisam de testemunho, mas há aquelas que são insuportáveis. A orfandade não é só a morte dos pais, é acionada e reeditada a cada vez que perdermos a esperança de que essa porta se abra.
Somos seres bastante queixosos, por vezes só queremos plateia, a dificuldade é saber quando necessitamos realmente uns dos outros, diferenciar uma cena em busca de plateia da dor precisando de acolhida. As mães de crianças pequenas têm um truque: quando os filhos caem, elas fingem não ter visto. O pequeno confere se ela está atenta, se o dano é insignificante e não há público, provavelmente irão fazer outra coisa mais interessante. É uma espécie de “teste da manha”, já que se for grave o sofrimento será expressado independente do ibope.
Crianças que estão sentindo-se inseguras e frágeis farão cenas trágicas, exigindo a presença da mãe por coisas nímias: o brinquedinho caiu, rios de lágrimas, hora de ir para a cama, gritaria. Nesse caso elas lamentam algo desligado do incidente, expressam uma angústia que está por um fio para desbordar. Não é manha, é sofrimento psíquico. Provavelmente o verdadeiro motivo sejam fantasias de abandono, ameaças imaginárias de privações ou terrores que as têm acuadas. Como temos uma nostalgia idealizada dos cuidados maternos, cujo aconchego seguimos buscando em todas as relações, talvez haja algo que possamos aprender a partir dessas cenas.
Por vezes, nosso joelho ralado é banal, já sacudimos a poeira e estamos orgulhosos da superação, só queremos contar a proeza. Mas há outras em que o olhar atento perceberá que é sério, está doendo muito, quer seja porque a pancada foi forte, ou mesmo porque um pequeno incidente despertou grandes mágoas represadas. Só a escuta atenta descobrirá o calibre do que nos abala. Vínculos capazes dessa delicadeza são raros e preciosos. Só podem ser oferecidos por aqueles que não têm medo do contágio, pois é preciso baixar as defesas para oferecer uma verdadeira empatia.
Como as mães, aqueles que se importam conosco fingem distrair-se, desejando que a queda seja boba, mas terão que abrir sua porta quando nossas lágrimas precisarem deles. A metáfora da porta aberta aqui não é banal: dar entrada à dor do outro provavelmente despertará nossas próprias fragilidades e desesperanças. Acolher nosso desamparo é coisa para poucos em nossa vida: os que estiverem dispostos a lidar com o próprio. Convém não esquecer de que precisamos maternar-nos uns aos outros, com a sutileza de diferenciar a manha da dor.