Liga pra mim!
Sobre o frenético uso de celulares
O leitor certamente terá observado a incrível epidemia de propagandas de celulares nos meios de comunicação, por certo exacerbada nesta véspera natalina. Quiçá, atendendo a tantos apelos, adquirirá, presenteará ou receberá um telefone portátil, nem que seja em nome de um modelo novo, que agora chuleia, caseia e prega botão. Além disso, estará acostumado a trocar telefonemas com filhos, consortes ou mesmo de trabalho, que exigem, a qualquer instante, que se informe a própria posição geográfica, assim como qual atividade está se realizando e com quem. Qualquer encontro entre seres humanos agora inclui mais interlocutores além dos que estão fisicamente presentes, pois participam deles todos os que ligam para eles e os que telefonam para as pessoas que estão no mesmo ambiente. O celular dos filhos e da pessoa amada é um localizador, como os chips que se coloca em animais selvagens ou em extinção para monitorar movimentos e assim cuidá-los melhor.
Esse fenômeno de relacionamentos hiper-conectados, no qual ficamos furiosos quando aquele a quem estamos concernidos não atende nossa ligação, poderia ser chamado de incapacidade de estar só. Na verdade estou invertendo uma expressão utilizada pelo psicanalista inglês D. W. Winnicott, que escreveu em 1958 sobre a Capacidade de estar só. Ele explicava o seguinte: desenvolvemos, desde bebês, um potencial de ensimesmamento, da qual depende a possibilidade de relaxar, de abstrair a existência dos outros para viver um encontro consigo mesmo. Paradoxalmente, a condição para poder viver essa experiência positiva de solidão nutre-se na fonte de uma presença, que é a da mãe. Por exemplo, quando o nenê brinca absorto com seus objetos e pensamentos, mas sente que conta com a mãe (ou quem a represente), a qual o está cuidando.
Na medida em que crescemos deveríamos, hipoteticamente, internalizar essa presença, sentindo-nos suficientemente seguros para viver momentos de isolamento prazerosos, relaxar ao nosso modo e descobrir que também existimos quando não estamos fazendo vozes, caras e bocas para ninguém. Não é preciso grande profundidade psicanalítica para supor que essa capacidade nos tornaria menos ansiosos, dependentes e até menos agressivos, em função de que os relacionamentos ficariam mais leves, isentos de tanta cobrança e seríamos menos invasivos uns com os outros. Também não é preciso ser muito bidu para constatar de que esse frenesi de ligações é a prova de que suportamos mal a ausência uns dos outros, que temos muito mal preservada a imagem interna de quem amamos, além de que estamos mal preparados para o convivo conosco mesmo. Provavelmente, essa sinfonia desafinada e de gente comunicando-se insistentemente não se deva a que as mães andam menos zelosas com seus bebês, mas a uma cultura que não valoriza a capacidade de estar só.