Livros e Remédios
Sobre a Feira do Livro
Viver é dolorido, verifique a quantia de analgésicos vendidos a granel. Viver é cansativo, tome Stressimil, Anticolapsox. Viver sabe ser triste, antidepressivo resolve. Viver enerva, Nervocalm drágeas, tira o sono, Insonial, para uma noite normal, e para disfunções sexuais, Orgasmax. Ficar de pé é ruim, Varizem, sentado dá hemorróidas, Proctolac creme. Viver enfraquece, Ferrosol com Vitaminoplus. Para hipertensão, Antiexplodium, na diarréia, Rolyol, prisão de ventre, Excreflux, para gases, Pheidolax. Viver causa fome excessiva, Bulimim, tira o apetite, Gulol. Pensar desconcentra, tome Cocalina. Viver deixa inválido, viver mata.
Na farmácia parece haver solução para tudo, lá sempre haverá alguma coisa que possa ser engolida prometendo bem estar. A alma grita por intermédio do corpo, exige satisfação, equilíbrio, repouso, motivação! Há os remédios, mas dizem que o melhor é prevenir. Para tanto, recorra ao material escrito, receitas para uma vida saudável, como melhor comer, dormir, relaxar, exercitar, amar. Bom senso impresso e encadernado, conselhos de doutores bons de pena, idéias vindas do oriente ou comprovadas por pesquisas do ocidente. Vale tudo, desde que nos cure desse mal de viver ou de viver mal. Livraria também pode ser farmácia, mas é uma pena.
A divulgação da Feira do Livro de Porto Alegre de 2006 recomenda: “tome Bandeira, Quintana, Cecília, muitas e muitas vezes ao dia”. Para o coração fraco, receita romance urgente, para o pulmão, mistérios, sustos, suspense, intriga. Enfim, sugere que o livro é o melhor remédio. O cartaz é tão interessante quanto o texto do comercial: são tatuagens de figuras que lembram o romance, a aventura, só que as imagens aparecem gravadas diretamente nos músculos, como impressas no interior do corpo. O texto diz:“você também é feito de histórias, viva o livro”.
Acreditamos que se nos ocuparmos obsessivamente do corpo, seja com medidas estéticas, curativas ou preventivas, levaremos de brinde a paz de espírito. Porém, feito de músculos, sangue, órgãos, o corpo é um barco parado. O que o move, o vento que incha a vela, são as histórias. Quando narrados pelos mestres das palavras os amores tornam-se romances, os revezes viram aventuras, e as neuroses e loucuras podem ser pontos de vista. Nas mãos dos artistas a vida se eleva para além da carne, pois também é de palavras que as suas, as minhas, as nossas dores são feitas, e também é com palavras que serão transcendidas. A capacidade de compreender o que nos deprime, angustia, estressa, lateja, depende do quanto conseguimos entender a trama do romance, da intriga e do suspense do nosso destino, a saga da nossa família, o estilo das ruminações dos nossos pensamentos.
Livraria não é farmácia, mas leitura cura sim. Por baixo da pele, mais que músculos, repousa impressa, tatuada, a história da nossa vida. Remédios ajudam, conselhos médicos são para serem seguidos, ok, mas nada disso movimenta a máquina da vida. Já que nas veias correm histórias, viva como num livro.