Mãe só tem uma?
Sobre diferentes tipos de maternidade 02/05/07
Família, família. Papai, mamãe, titia. Almoça junto todo dia. Nunca perde essa mania. Certos os Titãs ao descrever a família como uma teimosia da humanidade, pois se há uma instituição que resiste às mudanças sociais é a família em sua forma clássica, heterossexual, nuclear. Mas dentro desse dinossauro têm se gestado, de forma lenta e sistemática, várias novidades, em função das quais, de tanto em tanto, é preciso dar-se conta de que muita coisa já está diferente.
É necessário ampliar nosso vocabulário, anote nas margens do seu dicionário as expressões: “união homoafetiva estável”, “família monoparental”, “filiação afetiva”, entre tantas outras que você vai ter que aprender a usar. Em breve, precisaremos repensar o formulário da certidão de nascimento das crianças, pois os campos destinados ao nome do pai e ao nome da mãe já não absorvem bem as variantes que a família está assumindo. Nada é tão simples como se pensava, a função materna não equivale à feminilidade, enquanto a paternidade não precisa ser exercida por um macho; há famílias com duas mães, com uma só, com pai nenhum, com um ou dois pais…
Desde que o mundo é mundo existem outras formas de organização familiar às margens da suposta normalidade, é o caso das famílias clandestinas, das mães solteiras, dos filhos de adolescentes criados como irmãos, dos casamentos de fachada. Porém, prevalecia uma rígida convenção do que era certo e errado, cabendo a algumas mulheres e aos homossexuais o papel de guardiões solitários e envergonhados de tudo o que fosse diferente do padrão.
Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar. Que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre, sempre acaba. Escreveu Renato Russo. E eis que as graduais modificações que foram ocorrendo na intimidade agora pedem jurisprudência, registro, debate, reconhecimento na escola, no convênio, na herança, questionamento de direitos e deveres. As mulheres não estão mais dispostas a arcar com seu “mau passo”, escondendo o nome do pai de seu filho, ou até uma família inteira para que a reputação de seu homem não fosse maculada. Esperava-se que homossexuais e solteiros se conformassem à condição de exilados dos vínculos familiares e não pretendessem a parentalidade ou o casamento. Não foi o que ocorreu. Quase todos querem ter esse refúgio num mundo sem coração, como Christopher Lasch nomeou a família.
Para os apocalípticos, que anunciavam a instalação de uma suruba cósmica decorrente da liberação do amor e do sexo, a história havia reservado uma curiosa revanche: a família tornou-se uma reivindicação universal. Ao invés de destruí-la, a liberdade conquistada a ampliou, reafirmando sua força e perenidade, sua mania de existir. Por isso, no próximo Dia das Mães, vai ter gente cumprimentando mais de uma mãe, ou um pai que é uma mãezona e tanto. Porque alguma coisa aconteceu. Tá tudo assim, tão diferente. Cantava Cássia Eller, cuja morte deu oportunidade a que sua companheira assumisse legalmente a guarda do filho criado por elas.