Mães de pequenas misses

sobre a relação mãe-filha, revelada em seu excesso nos programas sobre concursos de beleza infantil

Semana passada, nos Estados Unidos, uma mãe perdeu a guarda da filha por ter declarado num programa de televisão que fazia aplicações de Botox na sua pequena de 8 anos, visando suprimir rugas (sic). Como se vê, a paranóia do envelhecimento exige ações cada vez mais precoces! O objetivo da senhora era tornar a menina competitiva em concursos de beleza infantis. Esse tipo de mulher protagoniza um popular programa de tevê a cabo “Pequenas misses” (Discovery Home&Health), um reality show que acompanha a trajetória obstinada de mães para transformar crianças em versões da Barbie, com maquiagem pesada, penteados improváveis, manicure e até depilação.

As entrevistadas quase sempre são mães obesas, que apresentam visíveis sinais de abandono pessoal. Elas organizam sua vida em torno dos tais certames, onde suas bonecas de corda as representam, pequenos avatares, marionetes a serviço da frustração materna. É fácil indignar-se e ficar contente com a merecida punição de uma delas, pois é explícita no programa a monstruosidade dessas destruidoras de infância. Partilho desses sentimentos. Porém, em sua coluna da Folha de São Paulo, corajosamente Rosely Sayão se pergunta: “será que os pais do programa são muito diferentes daqueles que enchem a agenda dos filhos com aulas de todos os tipos? Dos que procuram definir o futuro dos filhos do modo como eles arquitetam?”. É diferente, conclui, mas sabemos que é evocativo.

A seu modo, essas senhoras cujo próprio corpo abandonou a cena, são abusadoras. Possuem com suas fantasias o corpo das filhas como um pedófilo que goza em preencher com seus desejos sexuais o vazio da criança que ainda desconhece os dela. Em ambos casos temos o adulto reinando absoluto, e a infância transformada em objeto passivo.

Mas por que esse circo de horrores tem audiência garantida? Horroriza e fascina essa cena de submissão infantil porque de algum modo nos identificamos com seus protagonistas. Na verdade sabemos que é inevitável na criação de um filho que os pais acabem projetando sobre ele seus desejos e frustrações. Não há nada anormal nisso, ele precisa confrontar-se com essas forças, mas apenas enquanto os parâmetros que usará para construir seus próprios ideais. Assistimos aliviados, pois nos salvamos dessa! Frente a essas mães totalitárias a nossa é um exemplo de democracia! Mas também nos hipnotiza, pois quem não desejou tornar-se a encarnação das fantasias da mamãe? Assim teríamos a garantia do seu amor? A mãe da pequena miss representa nossos piores pesadelos e inadmissíveis desejos.

7 Comentários
  1. Obrigada por esse texto importantíssimo, Diana. Fico tão feliz pela sua lucidez.

  2. Fabiane permalink

    O texto, como sempre, é muito elucitativo e instigante.

  3. Mariana Schwartzmann permalink

    Diana, ainda bem que temos pensadores lúcidos como voce. Nem tudo está perdido quando temos o privilégio de uma mente tão repleta de lucidez, com a clareza de um dia ensolarado.

  4. Mas ainda bem que do outro lado temos as Pequenas Misses Sunshine, crianças fora do padrão, mais gordinhas que a média, de uma beleza sublime por que absolutamente normal, vindas de famílias normais, ou seja, complicadas, muitas vezes desfuncionais, imperfeitas, com filhos de inspiração nietscheana que fazem voto de silencio e pais inseguros mas afetuosos o suficiente para não temerem o ridículo de apresentarem sua normalidade publicamente enquanto destroem o circo tão bem montado deste freak show que nada tem a ver com a beleza. Imperdível…

    http://www.imdb.com/title/tt0449059/

    • Diana permalink

      o mais enigmático para mim é sempre o público, voyeurs de tanta loucura, que a alimenta e fertiliza… não me excluo, só interrogo!
      gracias pelas palavras!
      diana

  5. Sou apaixonada pelo trabalho de vocês. Grande inspiração!

    • Diana permalink

      gracias querida! que eles se somem às tuas ideias! abraços

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