Mães também se aposentam
A maternidade não era mesmo um cargo vitalício?
Ela foi mãe dedicada, para cuja casa os filhos adultos e netos acorriam em procissão. A presença deles era motivo de júbilo, suas notícias recebidas como cartas de amor. As reuniões de família eram preparadas com zelo de jantar romântico, o prato preferido de cada um sempre lembrado e as restrições alimentares respeitadas. As conversas à mesa, como no tempo do finado marido, requeriam delicadeza diplomática.
Filhos se melindram fácil, toda palavra corre o risco de esbarrar em inevitáveis ressentimentos e pendências. Cada um deles tem certeza de que a mãe simpatiza mais com o marido, esposa ou filhos do irmão ou da irmã supostamente preferido, que sempre julgam ser outro. Nas separações e nos momentos de falência acolhia-os de volta ao ninho, comiam e dormiam com ela, assistiam filmes em sua tevê sábado à noite. Depois sumiam, embarcados em nova paixão, projeto ou em um grupo de amigos inseparáveis.
Até que um dia teve que submeter-se a uma perigosa cirurgia cardíaca, estava avisada de que seu caso era grave. Antes de internar-se, revisou seus guardados, deitou ao lixo muitas “bobagens” que atesourava, editou as lembranças, organizou os documentos. Foi um mau bocado, mas sobreviveu e algo pareceu ter se quebrado. Na saída do hospital, tomou uma decisão atípica: esta segunda vida, mesmo que curtíssima, seria para uso pessoal. Fechou o apartamento, voltou para o interior, para a cidade natal. Foi viver junto com uma irmã mais moça, também viúva, partilhavam os cuidados de uma boa funcionária. Era uma aposta, uma aventura, mas nunca é tarde para isso. O genro médico ficou furioso, como afastar-se dos melhores hospitais a esta altura?
No cidade enturmou-se novamente, conhecia as histórias de que falavam, tudo lhe voltava aos borbotões. Ao invés de ficar desmemoriada, lembrava-se do passado mais remoto em detalhes. Agora, em suas visitas, os filhos tinham que disputar a atenção na sala da mãe e da tia com a animada roda de chimarrão dos vizinhos. Eles eram bem vindos, mas ela impacientava-se caso a distraíssem da sua nova rotina. Não levou consigo muitas lembranças, uns poucos porta-retratos lhe bastavam.
Ela não era gato, mas ganhara mais uma vida. Restava-lhe coisa pouca, mesmo restrita e cheia de dores chatas estava disposta a viver sua aposentadoria. Aposentara-se do casamento, da família, dos vínculos, encontrara uma forma tardia de liberdade. Os filhos incrédulos não entendiam o abandono. Gostamos de acreditar que ter filhos é um sacerdócio vitalício, tanto que quando isso não se confirma custamos a engolir a mágoa. Porém, mães e pais idosos por vezes se aposentam, respeitar-lhes essa opção envolve a dura verdade de que os filhos podem não ser a cereja do bolo.