Mais um muro que cai
Sobre a guerra em Israel, crônica não publicada
O Estado de Israel quase foi meu destino. A idéia da terra prometida serviu para minha família como possibilidade de refúgio, de um lugar onde enfim deixaríamos de ser estrangeiros. Por circunstâncias da vida, o projeto de imigração não vingou, mas sempre olho para lá como uma das vidas que não tive. Parentes meus que constituíram as primeiras levas de sionistas deram trabalho e vidas para esse sonho: acreditava-se que era possível constituir uma sociedade diferente, onde a intolerância fosse impraticável e a ganância algo sem sentido. Tendo perdido tudo tantas vezes, seus seres queridos, seu patrimônio e sua dignidade, aos judeus seria possível compreender o que é que realmente vale nessa vida.
Nascido do fim da segunda guerra, Israel decorreu da idéia de que era imperativo que os judeus tivessem uma pátria e um exército que os defendesse do anti-semitismo. Perto do que foi, o preconceito contra os judeus arrefeceu um pouco no ocidente, mas recrudesce a cada instante no oriente médio. Isto se deve também à própria política de Israel e seus aliados para a região Porém, é notório que falta bom senso a todas as partes.
Tentando compreender, leio e escuto o que os estudiosos da política explicam, quem fez o quê, com quantos culpados se virou essa canoa… Mas quero me centrar na condição de utopia, que esse pontinho no mapa tinha na minha geografia emocional e que se perdeu. Israel encarnava a esperança de que um povo vindo de tanto sofrimento constituísse uma nação diferente. Os kibuts foram uma experiência de comunidade alternativa, um socialismo de aldeia. Se isso era factível ou não, não sei, mas era bom acompanhar a ousadia dessa experiência, de uma espécie de socialismo de retalhos, onde cada grupo pudesse provar em seu seio a viabilidade da partilha e da cooperação. Mais de uma geração de judeus apostou em ir para lá para fazer mais que uma pátria, uma pátria exemplar.
Mas não há fantasia que resista à guerra aberta onde certos povos vagueiam como mendigos globais, enquanto outros vivem o dia, porque amanhã seu ônibus para o trabalho pode explodir. Das promessas de que Israel poderia mostrar uma nova forma de fazer as coisas pouco restou.
Quanto a mim, sem esse lugar onde nunca fui, mas gostava de saber que existe, resta a certeza de que não há para onde fugir. Ingenuidade a minha de continuar acreditando na terra prometida, pois a intolerância de que sou objeto, como a que sofrem todos aqueles que são coloridos, ou os não se organizam do modo heterossexual, ou em família nuclear, esta deve ser enfrentada aqui e agora. É bom lembrar que utopias foram fundamentais, serviram para transformar a realidade. Se não sonhássemos com a igualdade social, continuaríamos achando natural que os trabalhadores vivessem vida de escravos, como ainda ocorre no oriente. Porém, elas não podem entrar ao serviço da alienação, de pensar que lá tudo pode ser diferente, para que cá possa permanecer como está… Infelizmente, Israel agora para mim faz parte da geografia real, não mais da onírica. Uma utopia a menos, um desafio a mais.