Mamãe Eletrônica

Sobre a televisão como babá eletrônica de pequenos e grandes

A mãe não nasce no parto do filho. A maternidade se constrói com muito trabalho e intermediada pelos cinco sentidos. O tato, no toque de pele do colo, o olfato, no cheiro dela, no gosto do leite doce do peito, a audição dos sons de sua voz, a visão da imagem de seu rosto, com dois olhos mirantes que são um oásis nos momentos de desamparo do bebê. Isso tudo não comparece de forma aleatória, porque senão a cabecinha do bebê ficaria um caos. Tem uma certa lógica do como e do quando se ganha colo, por exemplo ao chorar, despertar e mamar; as refeições tendem a ter pausas regulares; o cheiro dela sempre anuncia sua presença; suas falas e músicas marcam momentos específicos, seja para ninar ou para se agitar. Mães são previsíveis, sempre dizem a mesma coisa, com o mesmo tom de voz.

Mas a gente cresce, precisa tomar banho sozinho, providenciar uma alimentação regular e nutritiva, dormir horas suficientes e com muita sorte aparece alguém para nos cuidar quando ficamos doentes. Os médicos fazem um pouco a função, outrora materna, de zelar pela nossa saúde cotidiana: coma fibras, faça exercícios, sol dá câncer, vacine-se contra a gripe. Porém, não é o suficiente, pois na vida adulta falta-nos um elemento vital da maternidade: a rotina. É em nome dela que cultivamos algumas excentricidades: por exemplo, como tomar banho, a organização do ambiente necessária para conseguir dormir, a escolha do que comemos. Enfim nossos horários e chatices. Aqui se mostra a importância de um aspecto da TV.

Há pessoas que situam os acontecimentos de seus dias conforme a programação televisiva: tal coisa ocorreu depois do Fantástico, ou durante o Jornal Nacional. Os personagens das novelas, dos “reality” shows ou os apresentadores parecem familiares. O locutor do noticiário fala como se nos olhasse e se importasse conosco. Mas o essencial desse vínculo é a previsibilidade, a seqüência interminável dos capítulos, a simplicidade dos personagens, a repetição das propagandas, tudo tão pouco surpreendente. A TV encanta também pela sua regular banalidade. Óbvio que espero dela também um espaço para a criação artística e para a novidade, porém não deixo de admitir o valor de sua presença ro tineira, como as mesmas coisas que uma mãe diz, as mesmas músicas que ela canta, os mesmos pratos que ela prepara. Uma mãe é feita de mesmice e tudo que na nossa vida é herdeiro da importância desse vínculo também o será. Ninguém fica totalmente só quando a TV nos oferece sua constância aparentemente atenciosa. Ela é a amiga das crianças, dos viúvos e separados, das pessoas cansadas, dos doentes e dos adultos nas horas solitárias. Se é para chamá-la de babá eletrônica, como dizem, admitamos que serve para todos. E como a babá é a substituta da mãe, a TV também sabe ser uma espécie de mãe eletrônica. Não tem tato, nem cheiro, mas tem som e uns olhos que fingem nos olhar. Nesse próximo dias das mães, minha homenagem também para essa senhora de vidro que nunca nos abandona.

04/05/05 |
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