Mamãe posso ir?
Por que as mulheres não se libertaram dos torturantes saltos altos?
Lembra aquela brincadeira infantil, em que se fazia a pergunta: – mamãe posso ir? Se a “mamãe” dissesse que pode, seguia-se nova questão: – quantos passos posso dar? Ela dizia um número qualquer. Aí o “filho” novamente perguntava: – De que? Ao que ela designava um bicho: passinhos minúsculos de formiguinha, saltados de canguru, grandões e pesados de elefante, rastejantes de cobra. Ia-se avançando conforme a boa vontade da criança que fizesse o papel da progenitora.
É mais o menos esse o diálogo imaginário que muitas mulheres mantêm com seus sapatos antes de sair de casa. Vou ficar sentada o dia inteiro? Passinhos de princesa em saltos altos. Vou andar de ônibus, metrô, sair, andar à pé? Passos largos em calçados baixos e cômodos. Como se vê, os sapatos femininos são acompanhados de um dilema cotidiano de mobilidade.
Dizem que caminho com a graça de um pinguim, motivo pelo qual nunca fui elegante em delicados calçados de saltos e bicos finos. Além disso, são raras as ocasiões em que fico disposta a condenar-me aos passos claudicantes dos sapatos tipicamente femininos. Já vi mulheres que correm como gazelas mesmo dentro de improváveis saltos altos, plataformas e tirinhas, nunca serei uma delas.
Há locais de trabalho que exigem das funcionárias que compareçam usando saltos. Devem apresentar-se sensuais e atraentes, mesmo que a função exija que permaneçam em pé ou se desloquem bastante. Executivas, diretoras, CEOs, não se concebem sem seus scarpins. Os saltos lhes dão uma sensação de envergadura e elegância, sem perder a delicadeza que se espera dos pés femininos. Dores, doenças e contraturas são recorrentes na vida dessas trabalhadoras. Por que elas não se revoltaram contra essa forma de tortura, herdeira do espartilho e da saia de armação, que sufocavam e imobilizavam suas antepassadas?
A alvura da pele, assim como a delicadeza das mãos e dos calçados, foram associados à nobreza. Eram sinais de distinção, pois significavam que não faziam trabalhos braçais. O bronzeado artificial e o corpo perfeito, ambos investimentos onerosos, hoje cumprem a mesma função. Ser inútil e fútil era um valor, pelo jeito isso não mudou tanto.
No tempo das nossas avós, a dependência, fragilidade e enfeites das suas filhas e esposas sublinhavam a glória do seu provedor. Eram prisioneiras, era ruim para sua reputação circular sem supervisão masculina ou materna. Ao libertar-se, elas puderam usar cabelos curtos e calças compridas, ir aonde quisessem, ser cidadãs. Mas, apesar do incômodo, continuaram apegadas a algumas dessas insígnias femininas de distinção de classe – saltos altos, unhas compridas. Apesar do tanto que já andaram, as mulheres ainda precisam ganhar mobilidade: praticar outros passos, sem ter que pedir licença para ninguém.
Adorei este texto. Na minha opinião, o salto alto é apenas estética, não acrescenta nada ao conteúdo de quem os usa. Deixa a mulher mais elegante se usado com roupa clássica e discreta. O que acontece é que as mulheres usam shortinho, calça bem apertada, saia bem curtinha e salto alto o que eu acho que não combina . Ao meu ver, torna-se vulgar mas acrescenta a que usa um certo ar de “poder” que faz bem a qualquer uma. E acho também que uma roupa moderna e saltos baixos com acessórios também modernos, fica extremamente alegante. Sou adepta dos saltos baixos e deixo os saltos para ocasiões especiais.
Oi Diana
Adorei a sua escrita porque tenho vivenciado essa questão do vestir, Inicialmente a pergunta “Mamãe posso ir?” vai produzir inúmeros devaneios e lembranças, desde nossa infãncia até…alhures. Então, recortando para o momento, além do olhar evocado da mãe, censura e aspirações, há o espaço marcado pelo social ao assumir uma profissão conquistada a”duras penas” pelas mulheres, espaço esta, antes reservado aos homens. Enfim, o que acontece, as mulheres mudam seu modo de vestir como um troféu, como você bem falou, ou seja, elas não querem perder a candura de sua ingenuidade sedutora mas sobem no salto pra fazer valer seu saber e domínio e depois reclama que “tá faltando homem com H maiúsculo, referindo são mesmo uns filhos da mãe” Alguém algum dia vai deixar de ser?