Memórias de um tempo não tão distante

sobre o seriado “Mad men”e os costumes da época (anos sessenta)

Quando eu era pequena, há menos de meio século atrás, o chão era o melhor lugar para o lixo, fumava-se em qualquer ambiente, inclusive hospitais, aviões e o quarto das crianças. Negros e brancos vivam em mundos distintos, gays habitavam o armário e as mulheres, quando tomavam algumas liberdades eram chamadas de prostitutas. Caçador era herói, tinha-se armas em casa, poluição era decorrência natural do progresso. Sexo antes do casamento até acontecia, mas a união estável era destino certo. Não lembro de muitas mulheres sozinhas, fora as viúvas. Ecologia era um delírio de poucas vozes excêntricas.

Na minha adolescência, década de 70, apesar das conquistas da revolução de costumes, não lembro de gays assumidos no colégio. Apesar de ter estudado sempre escolas públicas, raramente tive colegas negros. Na faculdade isso tudo melhorou um pouco, mas ainda estávamos longe das liberdades e da tolerância com as diferenças que hoje começam a ser consideradas itens não opcionais.

Lembro quando comentavam que alguém era tão idoso “que viveu no tempo da escravidão”. Pois é, começo a me sentir tão idosa que venho do tempo da discriminação desavergonhada, de uma cultura de depredadores do planeta.

Tudo isso ficou muito claro ao assistir ao seriado Mad Man, (que arrasou no Emmy deste ano) no qual ando viciada. O que me mesmeriza na série vai além da dramaturgia e elenco, é a reconstituição histórica, retrato cruel da época em que cresci, essa que descrevo acima. A história centra-se no cotidiano de uma agência de publicidade em Nova York nos  anos de ascensão de Kennedy, da guerra fria. Na vida das personagens, os homens mais velhos traziam memórias da Guerra Mundial e da Coréia (Vietnã estava a caminho), a prosperidade não escondia a barbárie e as mulheres viviam a realidade descrita por Betty Friedan em A Mística Feminina. Apesar da psicologia e a psicanálise já terem alguma popularidade, as crianças nunca eram escutadas.

O “Dever da Memória” costuma estar associado a heróis e vítimas de tempos difíceis. Inclui desde os necessários tributos aos que souberam se posicionar com coragem, até o julgamento dos que foram indignos, criminosos. Mas os tempos duros não se restringem a guerras, ditaduras e extermínio. A vida privada também deve ser lembrada, pois na intimidade igualmente se produzem injustiças, discriminações e infortúnios e nesse sentido o passado quase sempre nos condena. É bom lembrar das conquistas, mas também do que não nos orgulha, e contar tudo isso aos mais jovens é uma tarefa que nunca deverá ter fim.

2 Comentários
  1. Mario e Diana, obrigada, adorei este texto!

    A memoria da vida cotidiana é imprescindivel para a educaçao de nossas crianças e para a formaçao de nossos adolescentes. E nao precisamos dos grandes tratados de historia para isso. Jà somos “velhos o bastante” para colocarmos em relêvo a radicalidade da transformaçao dos costumes e os efeitos dela na nossa vida. ” O passado sempre nos condena” quando nao temos a coragem de assumir essa radicalidade.

    Beijo, e parabéns pelo texto! Radicalmente bom!
    Rosane

    • Diana permalink

      querida!! bem que a gente tenta continuar entendendo minimamente a confusão em volta, sem usar velhas lentes… bem sabes, a gente tenta…
      abraços
      diana

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