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Sobre as ilusões romanticas

Acabou, ainda bem. A época do dia dos namorados deve ser perigosa para diabéticos. É muito açúcar. Somos submetidos a uma enxurrada de corações e mensagens melosas pré-fabricadas. Hoje a proposta é amar com estilo e sensualidade e não se esqueça que amor também é competição, mantenha os rivais sob controle, seja surpreendente. O amor tornou-se uma obsessão que necessita expressão pública. Não é possível assistir sequer um filme sobre aborígines australianos ou a exploração de marte sem que no meio coloquem um romance ou arrastadas cenas de beijo e confissões pueris. A música, quanto mais popular, mais monotemática será: só amor e dor de corno. Quanto ao sexo, boa parte da ficção cinematográfica nos faz pensar que a vida é um curto intervalo entre uma boa transa e outra.

O problema é que o sexo é que é um breve intervalo entre um longo trecho de vida e outro. A maior parte do tempo da vida não transcorre nos braços do ser amado, nem mesmo quando se dorme com ele. Ao fecharmos os olhos, os sonhos nos levarão para longe daquele que está tão próximo. Na vida onírica somos tomados por restos provenientes das relações de trabalho, familiares, da falta de dinheiro, da busca de algum prestígio, enfim, nada disso é muito romântico. Até no ato sexual estamos sós: cada um dos amantes trará para a cama seu acervo de fantasias e neuroses, que funciona como um círculo, que pode fazer intersecção com o outro, mas não se rompe.

O amor romântico, excessivamente idealizado, estressa inclusive quem celebra este dia com chocolate e champagne. Quem cria as campanhas publicitárias, compõe as músicas melosas e escreve as novelas mexicanas são também seres humanos que mais trabalham e se ocupam de seus grilos do que amam. A quem queremos enganar? Uns aos outros, é a resposta.

De fato, estamos constantemente ocupados uns com os outros, mas não propriamente amando. A maior parte do tempo estamos remoendo desencontros e mal-entendidos. É deles que é tecida nossa vida. Na dúvida, consulte o livro da jornalista espanhola Rosa Montero, chamado Paixões (Ediouro, 2005), um triste mas belíssimo catálogo de histórias de amor vividas por casais célebres. Ali há todo tipo de gente: desde os cabeças ocas que faziam a glória das revistas de fofocas (os Ronaldinhos de outros tempos e lugares), como os duques de Windsor e Liz Taylor e Burton; até artistas, pensadores e políticos, como Tolstoi e sua Sônia, o casal Perón, Lennon e Yoko, Rimbaud e Verlaine. Pequenas tragédias particulares, dessas que se desenvolvem todo dia, com gente como a gente. Enquanto alguns gritam que a vida é um maremoto de amor, sentimos que nos afogamos numa poça de solidão. O que não é agradável, mas ainda me parece mais interessante do que esta apoteose de breguice. Uma pena, para meu gosto o amor fica melhor sem toda essa calda. Ele não tem culpa se parece ser o melhor antídoto contra as dores da nossa alma. Propaganda enganosa.

15/06/05 |
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