Mentiras sinceras
Sobre o filme Adeus Lenin
A melhor mentira é aquela que retrata a verdade que gostaríamos que houvesse ocorrido. Este é o mote de “Adeus, Lênin!”, um filme alemão de cômica e inteligente delicadeza. Nele, a mãe do protagonista, uma mulher frágil, escolhe a devoção à burocracia alemã oriental como arrimo psíquico. Ela cria seus filhos afastados do pai (que partira para a Alemanha Ocidental), mas filiados a esse grande ideal, de um regime que ela idealizava, mas que já ruía em seu redor. Um pouco antes da queda do muro ela tem um ataque cardíaco, ficando em coma por 8 meses. Quando acorda, sua Alemanha Oriental, que como ela estava sendo mantida respirando por aparelhos, já não existia mais. Porém seu filho decide organizar um grande teatro para lhe ocultar essa realidade e evitar que ela tivesse um choque. Ele começa a simular não mais uma mera continuação do passado da mãe, mas sim uma versão de como ele gostaria que a história tivesse ocorrido: que o socialismo pudesse ter se arejado e não deixado o país em bancarrota, sentindo vergonha de si mesmo. O filme já encerrou sua temporada nos cinemas, o que me dá liberdade de comentar que ela colheu o que plantou, já que mentira aos filhos sobre o destino de seu marido.
A verdade é indigesta. Quando os filhos são pequenos, os pais mentem para protegê-los daquilo que é muito duro para ser sabido. Como quando um pai diz ao filho que a vovó foi para o céu, por não saber como dizer que acredita que a vida simplesmente acaba. Mente-se sobre o Papai Noel e o Coelho da Páscoa para manter a magia de uma festa. Como este filho do filme fez com sua mãe, os pais dizem para os filhos a verdade de seus desejos. Que bom se lá do céu todos nossos seres perdidos pudessem testemunhar tudo aquilo que não viveram para ver. Que bom se pudéssemos esperar algum presente que não fosse necessário suar para comprar e se algum personagem mágico existisse para nos recompensar com chocolate por sermos bonzinhos. Devemos agradecer às crianças por suportarem as lorotas que lhes contamos.
O mesmo vale para os pais, que na maior parte dos casos, estão dispostos a escutar a versão dos fatos que seu filho lhes apresentar. Se ele se separou, o ex é que não prestava, se perdeu o emprego é porque havia muita inveja e se não passou na prova é porque foi mal formulada. Este jogo de eterna maquiagem da vida é intrínseco, mas às vezes o muro cai e é preciso acordar. A persistente escolha pela repressão à liberdade de expressão e pela mentira foi um elemento que minou e ajudou a destruir a utopia socialista. Seja com um país ou com uma família, estruturar-se sobre a mentira acaba fazendo a verdade aparecer de onde menos se espera. Este jovem alemão achou o seu, com sua encenação inverteu as coisas e provocou a erupção da verdade.