Mentiras sinceras me interessam
Frente a todo elogio, nos consideramos uma fraude. Já as críticas, ganham credibilidade imediata!
Noite, pai e filha param numa loja de conveniência para uma compra rápida. A menina se impressiona com as moças exuberantes que estavam ali, e pergunta ao pai se elas, tão altas, não seriam modelos. Num momento de distração da garota, o pai aproveita para transmitir a observação dela às duas travestis, que ficaram naturalmente encantadas. Seu trabalho exaustivo de montar uma bela e convincente imagem feminina fora recompensado.
As travestis são biológicamente homens, mas sentem-se mulheres e têm que carregar o fardo do sexo em que nasceram. Costumo brincar que o melhor filme sobre mulheres, para quem lhes quiser conhecer os segredos, é: “Priscila, a rainha do deserto” (Stephan Elliott, 1994), onde os protagonistas são duas travestis e uma transexual. Afinal, ninguém sabe melhor do que esses abnegados cultuadores da condição feminina, que ninguém nasce mulher, torna-se. Naquele encontro, graças ao involuntário elogio da filha do meu amigo, parecer femininos é um desejo deles que se realizou. O estranho é que elogios são sempre assim: quando os recebemos nos sentimos enganadores, como se houvesse alguma falsidade ali, uma ilusão que alimentamos, uma mentira.
O que temos de positivo é, aos nossos olhos, vivido como uma farsa, ridícula imitação dos nossos ideais. Um dia seremos desmascarados. Se alguém louva nossa obra, aparência ou valores, está, pensamos secretamente, redondamente enganado. Quando imaginamos algo que vamos fazer, as fantasias sempre incluem algum tipo de vitória, algo grandioso, frente ao qual qualquer realização parece indigna de nota. Quanto à beleza, não é à toa que ela se chama de “aparência”. Lembro da Claudia Schiffer, dizendo que depois de acordar levava mais de hora para ficar com cara de Claudia Schiffer. Os valores morais, então, são os piores candidatos à autenticidade: um mínimo de intimidade consigo mesmo revela a condição egoísta, mesquinha e violenta dos nossos anseios e pensamentos. Por sorte, na prática é outra coisa.
É justamente essa consciência dos próprios bastidores que faz com que as críticas não sofram o mesmo descrédito que os elogios. Qualquer observação que nos desmerece ou diminui é tomada imediatamente como verdade absoluta. Se alguém der a entender (ou mesmo se achamos que essa pessoa pensa assim) que somos chatos, medíocres, incompetentes ou feios, levamos fé e faremos coro com essa voz. A crítica habita nosso interior e quando encontra aliados, reais ou pressupostos, se fortalece, se agiganta. Talvez as travestis se assemelhem mesmo às belas modelos, pois aquilo que forjamos, com trabalho e superação, é uma autêntica e admirável conquista. Aplausos são para o que conseguimos fazer com o que a vida nos deu. Somos mentiras sinceras, verdades construídas. Palmas para elas.
Diana,
Peguei uma revista Vida Simples agora cedo e me deparei com seu artigo.
Sempre parei para pensar porque os elogios são tão dificeis de aceitar (e acreditar), enquanto as críticas não nos saem da cabeça…
Sua abordagem é ótima. A história dos travestis… a crítica que ja temos nos bastidores…
Vim para a internet para procurar mais sobre voce.
Descubro que Fadas no Diva é seu. Comprei o livro uma vez e não li “é sempre tanta correria, etc etc” Vou começar agora. Depois te falo.
Parbéns pelos artigos, pelo blog e aceite meus elogios: voce é maravilhosa. bjs,
Nivea
puxa Nívea! só espero que nosso fadas não te desiluda! depois dele escrevemos uma espécie de continuação chamada a psicanálise na terra do nunca!
abraços e gracias mesmo pela tua leitura!!!
diana