Mi Buenos Aires querido
Sobre um período de decadência portenha em 09/01/2002
Habituamo-nos a criticar argentinos em geral e portenhos em particular devido à sua pretensão de serem europeus, acima de nossa condição latina, pobre, mestiça e calorenta. Por outro lado, sempre que o bolso permitiu, corremos às suas ruas largas, livrarias, cafés, parques e museus para respirar um pouco do velho mundo. A Argentina que naufraga hoje é também nossa, não só porque os modelos econômicos se assemelham, mas porque ela é um lugar psíquico para os brasileiros. Vê-la tão triste é também roubar a alegria de lembranças de luas de mel e viagens que tantos brasileiros fizeram, de tantos tangos escutados.
Se os argentinos se salientaram pelo seu visual brega-aristocrático, podemos dizer que em política eles mantiveram o mesmo padrão estético. Sua escolha pelo populismo e o quão longe levaram a paridade dólar-peso, obedecem à mesma empreitada de acreditar que tudo que brilha é ouro. Aparências enganam. Discutir sua falência é colocar em questão uma parte de cada um de nós: aquela que acreditou que ganhávamos algo com parecer nobres.
Nossa sociedade investe muito em manobras de auto-convencimento. Alteramos a forma e pensamos que ela traduz o conteúdo. Livros de auto-ajuda ensinam que se eu repetir em frente ao espelho milhares de vezes o quanto me amo, terminarei por resplandecer beleza, eficiência e sedução. Mentira, não é isso que altera um destino, só que com essa balela pouco saberei de meus calos e, portanto, continuarei comprando o calçado errado.
Não é privilégio de nenhum povo que seus ideais tenham uma representação estética, mas a modernidade capitalista investiu maciçamente no espelho. Não se trata do vidro refletor, mas do olhar dos semelhantes com o qual nutrimos a alma. Prova disso é que no combate aos sofrimentos psíquicos, supomos que a aparência tem uma função ativa, por exemplo o “banho de loja” terapêutico .
Nada contra parques, cafés, livrarias, são o que há de maravilhoso numa cidade, aliás Porto Alegre vem se povoando delas. Buenos Aires deve continuar lindo e seguiremos fazendo turismo. Mas uma lição devemos aprender junto com “los hermanos”: o pior de uma ilusão é acreditar nela.