MINI-MONSTROS
Sobre o filme Monstros SA
Crianças são apaixonantes, cheias de frases e gestos surpreendentes, amolecem a alma, despertam ternura, conectam qualquer um com sua breguice interior. Crianças são insuportáveis, inconvenientes, barulhentas, sujas e cada vez mais espaçosas.Crianças são anjos e monstros.
Adultos são protetores, saem da maternidade com um bebê, capaz de quase nada e, às custas de pouco sono e muita lábia, o transformam num ser humano. Adultos são assustadores, descarregam nos filhos todas as frustrações da vida e exigem das crianças nada menos que a perfeição. Adultos são anjos e monstros.
“Monstro S.A.”, último filme da Disney-Pixar, brinca com esta dubiedade. Nele há uma doce criancinha que o monstro chama de “Bu” e um monstrengão grande, peludo e assustador que a menina chama de “Gatinho”. Essa inversão de papéis mostra como cada vez mais os adultos temem as crianças. O filme reproduz uma cena que quase todos nós um dia vivemos ou testemunhamos: uma criatura de meio metro, com o simples manejo de sons, é capaz de deixar acuado um ou mais adultos de quase dois metros, que suplicam apavorados que o mini-monstro cesse com sua performance constrangedora.
A fábrica em que os monstros trabalham tem um lema: “we scare because we care”, traduzindo, fica algo como: “assustamos porque cuidamos”. Educação pressupõe algum tipo de imposição, o que não deixa de ser um jeito de cuidar. O filme acaba sendo uma boa síntese do quanto pode estar incomodando às crianças este novo quadro. Nele os adultos estão conectados com suas próprias fragilidades e incertezas, deixando-as desamparadas.
No final da história, os monstros se propõem a divertir as crianças em vez de assustá-las, exatamente como todos os pais de hoje, pois o lazer é sempre prioritário. Não é nada surpreendente então, que as crianças divirtam-se passando medo, com filmes de terror, montanhas russas, sangue e forças malignas. A cultura trabalha fornecendo um imaginário que faça suplência da face assustadora do pai.
Os Monstros chegaram para alertar que não é preciso ter tanto medo das crianças. Antigamente a infância sofria por ser ignorada e desrespeitada. Hoje ela enfrenta outra forma de solidão: a infantilidade e a fobia dos adultos, incapazes de bancar a exigência de um lugar paterno.