Mulheres de plástico não têm diário
Sobre o livro Diário de Bridget Jones
Toda mulher está acima do peso, é menos amada do que gostaria, menos feminina do que deveria, socialmente inadequada, mulher quando teria que ser profissional e profissional quando teria que ser mulher. Não bastasse esta apreciação pouco condescendente de si, o mesmo olhar cruel castiga o mundo: está sempre pronta a perceber o ridículo dos homens, das outras mulheres e das situações da vida. Graças aos céus o humor existe, nele encontramos uma forma de minimizar este olhar que castiga e é então possível relaxar. O “Diário de Bridget Jones”, livro e filme, representam a consagração deste filão para as mulheres.A história tem estrutura de diário, diferente de um romance, onde habitamos o mundo paralelo do personagem, o diário é intimidade. Diários nascem na adolescência, quando uma repentina lucidez revela a fragilidade do mundo que acreditávamos ser tão sólido e o amor se mostra em sua verdadeira complexidade. Só o querido diário nos entende.
Pelo diário de Bridget passeiam personagens que são o mundo de uma mulher contemporânea: lá estão as “mulheres de plástico”, habitantes das revistas femininas, sempre magras, bem sucedidas e “com os peitos apontando para o norte”, as casadas dispostas a assassinar a prole, mas se aliviando numa tarde de shopping, e finalmente as solteiras, nas quais se encaixam todas aquelas que estão tentando ser mulher em meio tantas fantasias, das quais nenhuma é o seu número.
Os homens da história também buscam um lugar humano em meio aos clichês, Hugh Grant está ali em pessoa, como personagem e como homem, a lembrar como a carne do homem é fraca. O ator que representa o homem “de família” é o mesmo que faz Mr. Darcy, num seriado de sucesso inglês, “uma ilha de masculinidade num mundo pós-feminista”, como o definiu um colunista inglesa, sendo que nenhum deles é exatamente como previsto.
A grande coadjuvante desta história é o personagem de sua mãe, que sintetiza em si todos os clichês mais delirantes da feminilidade. Ela é ao mesmo tempo a dona de casa opressiva, a esposa que sacrificou a vida pela família, a louca que atirou a vida para cima para fugir com um homem superficial, a mulher de sucesso. E tudo isso de forma performática e inconsistente. Surda ao que sua filha tenta dizer, faz o possível para encaixa-la em ideais nos quais já nem ela sabe se acredita. Bridget e sua mãe representam o diálogo de toda mulher com os estereótipos que lhe foram oferecidos.
A mãe de Bridget é como um “romance cor de rosa”, desses com os quais gerações de mulheres fantasiaram e se martirizaram, por ser tão menos amadas, belas e bem sucedidas que seus personagens. A filha é como seu diário, mostra que a mulher tem direito a ir em frente com sinceridade, singularidade e até sarcasmo. A mulher de carne e osso que sempre existiu mas não se reconhecia. Hoje ela descobre que rir é o melhor remédio.