Nemesis

O lado lúdico (e útil) da rivalidade.

No esporte, o Jogo Limpo, mais conhecido como Fair Play, garante uma bela disputa, vitórias justas, derrotas vividas com dignidade. A vida seria bem mais fácil se isso vigorasse sempre. Mas nem sempre conseguimos ser tão construtivos. Na contramão disso, infelizmente, identifico em mim ideias que não trajam essa elegância esportiva. Costumo sentir inveja por rivais imaginários, em geral escritores com quem travo disputas dentro do meu pensamento. Estes, superiores em todos os sentidos, sequer sabem da minha existência.

Quando encontro textos publicados por eles, almejo-lhes o fracasso ou a mediocridade. Se o escrito for incriticável fico mordida, reconheço a derrota e conduzo-os, de mau grado, ao merecido pódio. Caso haja qualquer brecha para pensar que eu faria melhor, ou mesmo, suprema glória, que já escrevi de forma mais interessante sobre isso, eis a vitória esperada.

Em língua inglesa essa rivalidade tem um nome: é Nemesis. Originalmente esse é o nome da personagem mitológica responsável pelo controle da soberba, e a personificação da vingança. Em inglês, diz-se que um herói tem sua Nemesis quando possui um inimigo admirável, como o professor Moriarty é o contraponto à altura de Sherlock Holmes.

Não passa de uma inveja recreativa. Tanto que ela praticamente não surge em minha atividade profissional, a psicanálise. Os baixos pensamentos se confinam à escrita, meu trabalho das horas vagas. Meus Nemesis-escritores servem para escoar minhas rivalidades. São como o time adversário para um torcedor fanático.

Quem tem irmãos praticou essa competição saudavelmente ao longo da vida sem dar-se conta.  A disputa fraterna é construtiva, graças a ela ninguém pode almejar a perfeição, os rivais nos ressaltam as fraquezas. Sem isso, qualquer um se acha a cereja do bolo, o queridinho da mamãe, mas o nascimento de um irmãozinho costuma lembrar que o reinado é passageiro. Quando se tem irmãos mais velhos, serão um parâmetro, um ideal instigante. Como eles, meus escritores-rivais certamente ajudam a aperfeiçoar a escrita.

Sei que muitos dirão que há lugar para todos, pregarão um coração pacifista. Concordo com estes pensadores na prioridade da vida interior que leva ao constante questionamento de conceitos e valores, sem medir-se com ninguém. Porém, não há como negar que fazemos parte de um e vários grupos.

Na sociedade individualista nossa condição de seres sociais não tem muito prestígio. Ignoramos com prazer os laços que nos atam aos semelhantes e aos ancestrais. Cada um de nós gosta se imaginar um lobo solitário, um self made man, figura adorada do capitalismo, que não depende nem deve nada a ninguém. Quanto a mim, deixem-me com meus Moriartys, graças a eles posso pretender ser uma espécie de Sherlock.

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