Numa velha história, um projeto de vida

um reencontro surpreendente: conseqüências inesperadas de uma leitura infantil

Há muito esperava esse reencontro, mas nunca o fazia acontecer. Afinal, pedi o exemplar em um sebo virtual. Estava curiosa, mas foi sinistro, constrangedor até. Fazia quarenta anos que não tinha notícia dessa história, mesmo considerando-a como minha predileta. Trata-se de “Uma casa na floresta”, o primeiro volume dos nove escritos por Laura Ingals Willder, contando a vida difícil dos pioneiros norte-americanos, a sua própria. Li a série no início da puberdade, numa biblioteca, nunca tive os livros embora os adorasse.

Quando o pacote chegou, tão pequeno, pensei ter me enganado: vai ver que pedi uma edição adaptada. Nada disso, “texto integral”, dizia na capa. Na lembrança era maior. Além disso, nesse relato não havia nada de encantador, o livro era chato. A surpresa era outra. Aquelas páginas eram como uma carta que houvesse enviado para mim mesma do passado. A missiva tinha data para chegar e era agora, com as filhas crescidas. Ali estavam descritos, prescritos, sonhos do passado que realizei sem clareza de que os tinha.

A menina Laura e sua irmã Mary viviam numa cabana de troncos na floresta. Há intermináveis páginas sobre o cotidiano severo, de escassez, rezas, obediência, chatices domésticas identificadas com aconchego. O pai caça para alimentar a família, o preparo da carne salgada e defumada e das conservas para atravessar o inverno. As brincadeiras e o calor da casa quando a neve chega, a boneca de pano, um presente inesquecível. A animação fica por conta do relato das aventuras do pai, que conta da floresta onde enfrenta panteras, ursos e lobos. Dentro de casa proteção, fora o perigo.

Essa vida rudimentar meticulosamente narrada evoca a nostalgia de algo que na verdade nunca existiu: uma família antiga e amorosa, onde há um pai poderoso que se ocupa das filhas mulheres, veja só. Um verdadeiro “Refúgio num mundo sem coração”, como Christopher Lasch, em seu livro com esse nome, descreveu o ideal em que se inspira a família nuclear.

Sem lembrança consciente do livro, nem dos seus efeitos em mim, construí uma família com várias alusões a essa história. Dei à minha primogênita o nome da autora e protagonista da obra, minha porta sempre teve um bulldog, como o velho Jack da saga, montando guarda e minhas duas filhas cresceram ouvindo histórias sentadas no colo do seu atencioso pai. Errantes pelo mundo, sempre nos resta a nostalgia de um ninho imaginário. É isso que queremos para nossos filhos, eu bem que tentei. Como se vê, leituras infantis são perigosas, no bom sentido.

01/08/12 |
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2 Comentários
  1. Maria José Leivas Waquil permalink

    Querida Diana!

    Li ontem tua coluna da ZH e ainda estou impactada.
    Era eu que estava ali.
    Também pra mim Uma Casa na Floresta foi o livro da minha infância. Ganhei quando tinha 11 anos, li e reli inúmeras vezes. Me encantava com aquela família, sentia o cheiro da lenha, do bacon, enfim, vivia, com todos os sentidos, a atmosfera relatada no livro. Teve também Uma Casa na Campina, igualmente uma obra-prima na minha percepção infantil.
    Também perdi os livros de vista, mas nunca da memória.
    E também, este ano, resolvi recuperá-los fisicamente e comprei, pagando até bem caro, num sebo virtual, Uma Casa na Floresta e Anos Felizes!!!
    Achei uma enorme coincidência termos feito essa mesma pequena “excentricidade”! Porque, na verdade, nunca conheci alguém que também tivesse lido estes livros e muito menos os mantivesse num lugar tão especial na memória afetiva!!
    Tenho 52 anos, sou bibliotecária, casada e tenho 4 filhos (3 meninas e 1 menino). Também inconscientemente, tentei criar o aconchego e o ninho amoroso que tanto me seduziu. E acho até que fui feliz nessa empreitada…
    Enfim, foi uma adorável e incrível coincidência!
    Obrigada!
    Um abraço,
    Maria José

    • Diana permalink

      Maria José! estou pasma, descobrindo que Laura Ingals Willder foi uma espécie de (em menor escala) Harry Potter para as meninas da nossa geração. Eram tempos pré-globalização, em que não se sabia tão bem quando se fazia parte de um fenômeno literário de época. Para mim, não passava de um achado peculiar, que me mesmerizou por todos seus volumes devorados com urgência, na bibilioteca do Instituto Cultural Norte Americano. Para ali foram minhas primeiras jornadas de criança independente, quando uma menina de 10, 11 anos podia ir ao centro sozinha. Estava me sentindo, a meu modo, uma pioniera! obrigado por compartilhar também tua leitura!
      abraços
      Diana

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