O limite é a melhor herança

Sobre educação como forma de amor parental

É merecido o sucesso da campanha publicitária contra os maus tratos sofridos pelas crianças intitulada: “O amor é a melhor herança”. Seu mérito encontra-se na escolha de um grupo de garotos-propaganda muito peculiares: o Bicho-Papão, a Bruxa, a Mula-sem-Cabeça, o Diabo e o Boi-da-Cara-Preta. Num desenho animado, este time de monstros clássicos aparece cuidando bem dos seus filhos, acompanhados de um jingle no qual se diz que a verdadeira monstruosidade está naqueles que são violentos com os pequenos.   

Os monstros foram durante algum tempo banidos do discurso dos pais e educadores,  por supor que ameaçar as crianças com eles seria traumático. A resposta delas foi a de produzir um verdadeiro culto a todo tipo de criatura horrenda, imensa e viscosa que a mídia pudesse oferecer. Além disso, elas nunca deixaram morrer os monstros tradicionais e não se pode por a culpa nos desenhos animados pela sobrevivência do Velho do Saco ou da Cuca.

Não se deve fazer um contraponto simples entre pais que maltratam e os que são sempre amorosos. Há mais nuances, mesmo nas melhores famílias a parentalidade tem sua face monstruosa. Os pais de bebês sempre fazem o plano idealizado de uma família harmônica, onde tudo possa ser conversado e acordado. Pois bem, mal começa a engatinhar, o filho põe este idílio a perder com sua obstinação em mexer no que não deve e exigir o que não pode receber. Parecem inclusive ter uma dedicação particular em armar situações em que seus pais percam a paciência. A partir deste momento todos os pais assumem sua face monstruosa, serão mais severos, temíveis e obrigados a mapear os limites do território do permissível. Para o filho isto é um alívio, pois tem a certeza de que há alguém cuidando, pronto para salvá-lo e também para reconhecer seus méritos, quando conseguem respeitar as regras. A busca de limites é recorrente na infância, quanto mais demorarem em ser estabelecidos, mais longe em termos de riscos e mal-criações a criança terá que ir.

Os monstros imaginários são bichos de estimação das crianças. Com eles poderá negociar seus medos, equacionar as expectativas e lhes supor poderes que às vezes percebe que seus pais em verdade não têm. São pais auxiliares. Monstros reais são aqueles que perdem o controle, espancam, estupram, atiram seus filhos para a rua, pela janela ou contra a parede. São os que ficam ensandecidos com a simples presença da criança, de suas fragilidades e pedidos. Querem livrar-se dela, calar essa infância que lhes impõe a função de adultos responsáveis e evoca constantemente os filhos que um dia foram. São incapazes de se submeter à transformação que um filho impõe. Portanto, não tenha medo de ser um Bicho Papão para seu filho se ele lhe pedir. Mas para isso você terá que crescer e elaborar sua relação com seus pais e com a autoridade. Ser pais é coisa para gente grande.

15/10/03 |
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Um Comentário
  1. Suzy R.C. Farias permalink

    Trabalho na Prefeitura Municipal de Pinhais/PR, e procurando contribuições para o tema ‘limites’, para um projeto de grupo com crianças e adolescentes (e seus pais), me deparei com este pequeno grande texto. Parabéns ao autor. Grata pela contribuição.
    Suzy.

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