O ogro verde ficou maduro
Sobre Shrek Terceiro
Assisti ao terceiro episódio de Shrek num cinema lotado de adultos. Nada estranho, pois as crianças estavam comendo pipocas na sala ao lado, na versão dublada. Ali estão as mesmas aventuras dos anteriores, cujo maior atrativo são as paródias com os personagens clássicos da literatura infantil e a gozação com o rival Estúdio Disney. Neste filme, Shrek é desafiado a duas coisas que não deseja e para as quais não se sente nem um pouco preparado: ser rei e ser pai. Diferente de Peter Pan, que lembra às crianças da vontade que dá de agarrar-se à infância com unhas e dentes, neste filme temos o jovem ogro verde tentando não ser adulto. É um impasse posterior e contemporâneo. Mas será que esse assunto interessa às crianças?
A morte do sogro de Shrek torna-o sucessor natural do trono, como se isso não bastasse, Fiona lhe comunica que está grávida. Desesperado, ele parte em busca do segundo na sucessão, um obscuro primo da esposa, chamado Arthur Pendragon. Ao tentar convencer o adolescente sestroso a assumir o reino em seu lugar, o ogro comete um ato falho, quando diz ao rapaz que ele deverá tornar-se pai! Shrek precisa de alguém que o livre desse outro eminente e incômodo trono, o da paternidade.
O ogro tem uma série de pesadelos onde é invadido por hordas de bebês, que produzem mares de vômitos e fazem travessuras incríveis. Qualquer homem, às vésperas de ser pai, está à mercê desses delírios, que não se distanciam em muito da realidade. No final do filme, há uma cena hilária, em que Shrek e Fiona planejam uma noite de amor após colocarem os trigêmeos para dormir e, ao invés disso, desmaiam exaustos. Quais pais não passaram por isso? Porém, continuamos ignorando no que isso interessa aos pequenos presentes no cinema.
Às crianças de hoje permite-se pensar sobre inúmeros assuntos que antes eram tabu. Como assim, meu pai sentiu medo de ser pai? A maior parte dos desenhos animados infantis da televisão, retratam pais frágeis, meio desconectados dos filhos e desconcertados em relação a eles, quando não francamente risíveis. Isso não começou agora, lembre-se de Fred Flinstone, versão pré-histórica do Homer Simpson, papai trapalhão, meio bobo, fracassado e desautorizado até pelo dinossauro da casa, mas boa gente. Mesmo que de forma inconsciente, as crianças compreendem algo da psicologia de suas famílias. Ao seu modo, elas percebem que crescer é doloroso até para seus pais. Os filhos observam que o cotidiano dos grandes também é assustador, que eles têm medo do desemprego, do fracasso da relação do casal, de envelhecer e de se deprimir. Talvez constatem, por outro lado, que contam com pais mais sensíveis, mais próximos, do que tendiam a ser os seus avós.
Quando assistimos a um filme como esse, descobrimos que os pequenos estão rindo conosco e de nós! Isso não faz mal, não estamos assistindo à derrocada da instituição familiar, ao prenúncio da barbárie, é apenas um estilo de família, é um humor que com amor se paga.