O pai da insistência
Sobre o livro Meu filho, minha filha de Fabricio Carpinejar
É barbada ser pai quando os filhos são reféns do cotidiano, das suas idas e vindas. Não importa a hora e o humor em que se chegue, a criança está lá, independente do efeito de grandeza, prazer, temor ou embaraço que a presença do pai lhe produza. Minto. Ser pai é sempre difícil, mas mais ainda quando não se mora com os filhos. Nesse caso a negociação fica delicada, o pai tem que agradar para receber o dom da convivência. Se o pai é chato, casmurro ou põe limites, os filhos se esgueiram para longe, escondem-se atrás dos ressentimentos da mãe, chantageiam. Paradoxo insolúvel, pois pai que é pai não agrada, faz o que tem que fazer, duela a quien duela. Como então passar a necessária lição de vida num fim de semana alternado, na noite previamente estabelecida, em meias férias? É como sexo com hora marcada, fica estranho.
Tudo o que ensino não tem uma segunda feira, lamenta Fabrício Carpinejar em seu recém lançado livro de poesias: “Meu filho, minha filha” (Ed. Bertrand Brasil). Sujeito intenso, homo faber da poesia, tudo que vivi foi rente à pele, diz Fabrício, ser pai não seria diferente, a dor de deixar de viver com sua filha mais ainda. Uma separação, quando há filhos, produz também uma dor diversa das mágoas do amor dissolvido do casal: a dor da perda da convivência com os filhos. Quase sempre são os filhos os porta vozes das seqüelas deixadas pelo fim de um casamento. Quanto aos pais, por serem agentes da fragmentação da família, parece que perderam o direito de queixar-se.
Fabrício não. Ele esperneia, grita, reclama e resmunga pela família interrompida. Sofre com a distância da filha no viva voz. Lamentando a ausência, ele acaba ensinando um pouco do que aprendeu com a presença. Fala também da experiência de ter um filho em casa e, não se iludam, ali também um abismo de incompreensão assola pais e filhos. Eles nascem quando já é tarde para nossa infância, já fizemos dela uma separação litigiosa. Obstinados em suas existências tão incompletas, em seus raciocínios enviesados, os filhos nos impõe um reencontro neurótico com as crianças que fomos, com os pais que tivemos. Eles querem nos devolver a infância quando já não sabemos mais brincar (sic, Carpinejar). Desse conflito são paridos dolorosamente, prematuros, enrugados e aos gritos, os pais que seremos.
Meu filho, minha filha é a prova de que na família reinventada depois da morte do casamento indissolúvel, é a paternidade que é indissolúvel. Claro que há os homens que abandonam os filhos depois de uma separação, como se eles fossem adendos do corpo da mulher não mais amada. Esses, provavelmente, não eram pais nem quando estavam casados. Eram o marido da mãe, que viviam na mesma casa dela. Se um homem é pai, continuará a sê-lo a cada dia da vida do filho.
Pai que é pai, lamenta o poeta, lê seus filhos, mas infelizmente, não estará aqui para completar a leitura. Deve partir antes, é assim que deve ser. Mas se for insistente, ficará tatuado na alma dos seus descendentes. Para o sempre deles, mesmo que eles só reconheçam isso quando se tornarem pais.