O Plagiário e o Psicanalista

Sobre o plágio

O escritor Moacyr Scliar anda as voltas com o problema de ser plagiado por um escritor canadense. A partir deste fato abre-se o interessante tema da originalidade que tem sido tratado com seriedade pelos autores em questão e por teóricos da literatura.

Em A Ascensão do Romance, de Ian Watt, aprendemos que conceito de originalidade na idade média significava “o que existiu desde o início”, mas por uma curiosa mutação, chega aos nossos tempos como “não derivado, independente, de primeira mão”. O que aconteceu? A transformação não ocorreu apenas no tipo de história que a literatura contava, mas principalmente no estilo de narra-la. A sucessão de acontecimentos, que na literatura tradicional ocupava o centro das preocupações, no romance moderno cede lugar ao enfoque do narrador. Com as vidas das pessoas aconteceu algo similar. Não basta saber que origem e oportunidades a vida lhe deu (os fatos), importa o que você fez com elas (seu ponto de vista). Aliás, é desejável que se transcenda  e esqueça essas origens.

Lacan comenta um caso, publicado por um colega, que pode enriquecer este debate: tratava-se de um escritor que deitava no divã para queixar-se ser um ladrão de idéias. O psicanalista investiga os escritos do suposto plagiador, constata e comunica a seu paciente, que nada em seu texto faz crer que ele usurpa idéias que não sejam de domínio público. Em resposta a isso, o paciente lhe relata uma vontade que lhe acomete na saída das sessões, que é a de saborear um prato feito de miolos frescos… No texto de Lacan é ressaltada a necessidade que o paciente tem de que seu sintoma seja escutado enquanto legítimo. A fantasia de ser plagiário era sua idéia original, ser “devorador de miolos alheios” fazia com que tivesse algo de si para dizer. Ao lhe reforçar a auto-estima com o elogio da originalidade, o psicanalista se fez arauto de um valor social moderno.

É inevitável travar uma quixotesca batalha contra os fantasmas do passado, mas a história de uma vida é uma versão pessoal, nem que seja a de se acreditar ladrão do que não se roubou. A psicanálise existe graças a essa pretensão de originalidade, de fazer uma obra prima com a sucata do passado. O divã serve para aprimorar o texto de uma vida. Por isso um psicanalista não procura verdades, fatos, seu material é feito de pontos de vista . Afinal, somos plagiários de nossas origens e originais em nossos sintomas.

20/11/02 |
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