O que é bom dura pouco

Pobre felicidade, a mais incompreendida e maltratada dos sentimentos.

Minha amiga fez uma reforma dentro de casa. Deviam incluir reformas, principalmente aquelas nas quais se permanece habitando um lar semi-destruído, nos testes psicológicos. Se o morador do imóvel em escombros não enlouquecer, dificilmente perderá o equilíbrio em situações extremas: seria um caso de saúde mental comprovada. Um casal que sobrevive a uma reforma será feliz para sempre. Pois minha amiga, sua família e os dois gatos superaram isso e passam bem. Ninguém pediu a opinião felina do Quincas e da Frida, mas tenho certeza de que eles discordam da necessidade de ter feito tudo aquilo.

Quando fui visitá-la para ver as melhorias prontas, a casa estava tão bonita e agradável que imediatamente instalou-se o sentimento de que sempre fora assim. Comentamos que é uma pena, mas o período em que comemoramos as novidades boas passa demasiado rápido.Também quando algo piora, estraga ou deteriora, aos poucos adotamos naturalmente os caminhos necessários para contornar o problema: a luminária queimada será evitada, a janela emperrada será menos utilizada, o liqüidificador estragado decorrerá na eliminação das receitas que o necessitem.

A vida é movimento e somos muito plásticos, adaptamo-nos às circunstâncias, expediente que permite a sobrevivência até em condições extremas. Mudamos o tempo todo, nem que seja pelo fato de que a cada dia vamos ficando mais velhos e carregamos a experiência, os temores e sucessos armazenados dos momentos anteriores. Por vezes, mudamos para muito melhor, por outras enfrentamos perdas ou mesmo a triste constatação de um esforço inútil, como diriam o Quincas e a Frida sobre as novidades na casa da minha amiga.

Mas nada é à toa, devo discordar dos gatos. Eles são uns ranzinzas e prefeririam que nada se alterasse nunca, tanto que existe a expressão “mais nervoso que gato em dia de faxina”. Queria lembrar àqueles dois gorduchos peludos que agora eles têm mais luz e espaço em vários cômodos da casa, mas eles vivem um eterno presente, assim como costuma acontecer conosco.

No fim do ano fazemos balanços. Até os que alardeiam que isso é ridículo, pois o primeiro de janeiro é exatamente igual ao trinta e um de dezembro, que nada recomeça, são atropelados pelas retrospectivas do ano na mídia, pelo ambiente de promessas e esperança.

O resultado dessa avaliação anual sempre é prejudicado pela dificuldade de perceber as mudanças e, principalmente, de comemorar as boas novas. Reagimos como um bebê: quando está com fome berra como se nunca tivesse sido alimentado e ao ser bem cuidado ronrona um prazer que parece contínuo. Quando a felicidade chega, olhamos para ela como certos pais que recebem as boas notas dos filhos e, em vez de elogiar, dizem que ele não fez mais do que a obrigação. Pobre felicidade, a mais incompreendida e maltratada dos sentimentos. Depois de amanhã, último dia do ano, pode dispensar a lentilha, os fogos, mas não abra mão da gratidão pelo que melhorou. Por outro lado, se algo piorou, acredite, de algum modo vai passar.

2 Comentários
  1. Maria Helena Cardaci Brasil permalink

    Ol’a cara Diana
    Foi com emoc`ao que li e reli seu pungente artigo sobre o in’icio do ano.
    Realmente, temos que estar atentos para n~ao contornarmos os problemas
    e n~ao nos acostumarmos com o mal cuidado,s’o para ficarmos na zona de conforto, como gatos ranzinzas e mimados.temos obrigac~ao de comemorarmos cada vit’oria,cada alegria a toda hora,porque a felicidade ‘e
    j’oia preciosa e pode tornar-se rara ao longo da vida.
    Chorei ao ler a frase muito comum ,em minha ‘epoca:”n~ao faz mais que sua
    obrigac~ao” ao mostrar minhas excelentes notas escolares aos meus amados pais.Ainda bem que nao desisti de estudar.Hoje,entendo que era um h’abito da ‘epoca,mas espero n~ao ter dito nenhuma vezinha esta frase para meus dois filhos.Se a disse foi por pura imitacao.
    E ‘e por este motivo que agradeco suas belas cronicas, onde aprendemos e mudamos.
    Pretendo ensinar ao meu amado neto Nicolas ,que chegar’a em abril de 2014 o valor da gratidao e da felicidade.
    Maria Helena Cardaci Brasil

    • Diana permalink

      querida! obrigado digo eu por tua leitura!!!
      abraços
      Diana Corso

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