O que é que Chico Buarque tem?
Sobre o fascínio das mulheres pelo cantor
A presença de Chico Buarque em nossa querência causou o costumeiro frisson entre as mulheres. O modo como suas poesias tocam o público feminino, seus olhos claros e tristes, sua indiferença à histeria que eles causam, sua meninice tão máscula fazem dele um paradigma de homem, a régua com a qual medimos os outros. Todos os anos a Revista TPM brinca com um concurso que elege o “Chico Buarque do Ano”, óbvio que o próprio sempre encabeça a lista dos raros escolhidos para se comparar a ele. Mas afinal, o que é que o Chico Buarque tem?
Acontece que através de suas letras sentimo-nos traduzidas. Existe até uma especialista em estudar a representação das mulheres em sua poesia: Adélia Bezerra de Meneses, autora do livro “Figuras do feminino na canção de Chico Buarque” (Ateliê-Boitempo Editorial, 2000). Nele aprendemos que discutir a relação do Chico conosco é mais complicado ainda do que se supunha.
Adélia considera que as personagens femininas e os malandros são a oportunidade de enfocar o mundo pelas margens. Ele é macho, branco e bem nascido, mas, como artista, Deus achou engraçado fazê-lo nascer na barriga da miséria, batuqueiro, desdentado e feio. “Partido Alto” é a certidão de nascimento de seu alter ego de malandro, identidade através da qual se conecta com a cultura popular. Da mesma forma, em seus versos o discurso feminino brota natural, num freqüente diálogo amoroso, no qual um sexo desvela o outro.
Atrás de cada música há um romance, um conto. A música de Chico é teatro. É um menestrel cantando histórias de amor ou histórias de vida. Escondido no banheiro feminino ele se revela em sua criatividade camaleônica, dá o nosso texto, adivinha nossos segredos. Ele parece saber o quanto somos dúbias em nossos sentimentos, que os queremos fracos, mas também o oposto, que exigimos fidelidade, mas fantasiamos um harém; que amamos e odiamos ser objeto de desejo; que até podemos submeter-nos por décadas a esperar por um amor, mas que também sabemos virar as costas e deixar um sujeito em ruínas. Falando de amor e de mulheres, ele vai definindo os contornos do que é um homem. Elas narram sobre todo tipo de homem: do amante estuprador ao do tempo da delicadeza, contam do homem que elas fabricam quando encontram um guri, assim como daqueles que se instalam feito posseiros em seus corações.
Todos dizem que a pergunta que não quer calar é “o que quer uma mulher?”. Pois me parece que essa pergunta só se torna importante por que dela depende o quanto vale um homem! Nosso prazer, nosso gozo, nossa afeição costumam ser a medalha que faz de um rapaz um homem de verdade. As mulheres de Chico não parecem chegar a um acordo que resulte em parâmetros para eles, seus gostos variam. Não há receita de como nos conquistar nem satisfazer, mas de uma coisa ele parece saber: para nós, sermos escutadas equivale a sermos amadas. Por isso o amamos.