O show da banalidade

Sobre vários tipos de reality shows

Mal nos recuperamos de mais um Big Brother, com suas notícias constantes e desimportantes sobre vidas insignificantes, em tramas tão medíocres que fazem as telenovelas parecerem obra de Proust. Mas os reality shows estão longe de restringir-se ás disputas pelo prêmio milionário da audiência, por ser o melhor espécime do zôo global. Entre outras, há uma modalidade muito em voga na televisão britânica, (passa em nossos canais a cabo) nas quais as personagens são gente comum, mas as recompensas não são monetárias, nem o efeito é de celebridade instantânea.

São programas bacanas, como Esquadrão da Moda, Queer Eye for a Straight Guy, Minha Casa sua Casa, S.O.S. Babá, Extreme Makeover. Eles enfocam dificuldades prosaicas: como a busca por melhorar a auto-imagem, ou prestam socorro a pais atrapalhados. Mas não somente o corpo e a família importam, também a casa, que é reformada, mostrando que criatividade e afeto, fazem de qualquer morador um decorador brilhante. Enfim, o desleixo, o mau gosto, a inadequação, a falta de organização ou refinamento são diariamente debelados por um esquadrão de especialistas em moda, arquitetos, artesãos, médicos, babás, psicólogos, professores e voluntários.

A parte da realidade fica garantida pelas pessoas que se inscreveram nessa gincana para ter sua privacidade devassada e suas vidas aperfeiçoadas. A fornecer o pó de pirilimpimpim capaz de fabricar as rápidas transformações, tão importantes quanto os especialistas, são as câmeras e nós, os telespectadores.  

Mais do que trazer a realidade para o show, estes programas trazem o show para a realidade, fazendo-nos crer que a nossa vidinha também mereceria maquiagem, efeitos especiais, diretor, câmeras e ação. Assim, não é só na festa de gala que vamos ao instituto de beleza e alugamos o traje, é na vida real que podemos nos transformar, encontrar uma agulha de glamour no palheiro da trivialidade .

Imagine que alguém dedicasse a você o mesmo cuidado que se têm com os atores quando estão filmando, sendo que a personagem a ser construída será sua para sempre, sua casa será um cenário, sua vida um roteiro. Suponha que sua rotina doméstica ou suas intrigas amorosas interessem ao país inteiro. A literatura, o cinema e o teatro freqüentemente contam histórias de vidas sem sal, mas a fonte do encanto neste caso provém da arte do narrador, de um certo recorte, um ponto de vista peculiar. No reality show a tarefa do artista persiste, mas é restrita, já que o fator da realidade tem que ser visível, é a regra do jogo.

Cansados de sempre estar olhando de fora, fomos engolidos pelo aparelho e agora nos vemos lá dentro, nossa “vida real” na TV. Dizia-se que o problema da televisão seria o fato de que as pessoas ficavam alienadas, observando o mundo maquiado pelos telejornais. Fomos além, agora também queremos ver nosso cotidiano formatado para a telinha, a tendência é não haver mais dentro e fora, nossa vida estará no ar. Sorria, você está sendo filmado.

05/04/06 |
(0)
Nenhum Comentário Ainda.

Comente este Post

Nota: Seu e-mail não será publicado.

Siga os comentários via RSS.