Olhos nos olhos
Atravessando as barreiras dos gêneros e das idades.
Sábado de sol, o jovem pai empurra um carrinho de bebê. É aquele tradicional passeio antes do almoço cedo, seguido do primeiro soninho da manhã. Quem conviveu com bebês conhece a rotina. O carrinho está, como costuma, carregado com mamadeira, panos, bico e brinquedos, assim como as sacolas de compras que pegam carona. O bebê faz um comentário, o rapaz circunda o carrinho e, abaixando-se na sua frente, conversa com ele. O diálogo era inaudível, mas a resposta aparentemente satisfaz o pequeno interlocutor. Feito isso, retoma-se o passeio, não sem antes ajeitar qualquer coisa na roupa do filho.
Você percebe quantas novidades há nessa cena? Certamente evoluímos. Não creio que esse pai estivesse com seu filho por ter qualquer questão com sua virilidade. Tampouco estaria “tapando um furo” da mãe ocupada com outra tarefa. Pela naturalidade de suas reações, imagino que ele entendia sobre bebês, sabia trocar fraldas, dar banho, suportar noites de febre, compreender os diferentes choros. O leitor dirá que os homens não se transformaram tanto assim. É claro, não todos, mas já são em grande número e, lhe asseguro, são a imagem do futuro.
Além da postura “maternal” daquele homem há outra novidade na cena: é o diálogo com um bebê, uma criatura que ainda não tem linguagem clara. A maioria de suas palavras são de fabricação caseira, somente acessíveis aos iniciados. Juntam-se em frases lacônicas, compreensíveis mediante a observação da mímica corporal. Por isso a comunicação com os bebês torna-se possível somente quando fazemos o gesto daquele homem: nos colocamos na altura deles, atentos ao que dizem com voz e gestos. Não faz muito tempo que falamos com as crianças e faz muito menos que o fazemos com os lactentes.
Sigo com minhas suposições sobre a dupla encontrada na rua: acredito que ao lado desse pai, haja uma mãe menos sobrecarregada e que soube repartir velhos privilégios. O conhecimento das lides maternas era reserva de mercado feminino – ele não leva jeito para isso, eu é que sei – diziam as antigas.
Ceder espaço libertou as mulheres, mas também democratizou conhecimento: permitiu que os homens saíssem da alienação doméstica em que viviam. Eles podiam ter até poder, mas na intimidade eram dependentes e ignorantes do essencial. Os dons parentais agora podem circular, há pais muito capacitados para oferecer aconchego e mães que se revelam mais destras do que eles em colocar limites. São novidades bem vindas, porque o resultado é uma criança que conta com dois adultos que a escutam e olham nos olhos.