Onde se encontra a Terra do Nunca

Sobre o filme Em busca da Terra do Nunca, em 23/02/2005

Ninguém sabe ao certo quantas verdades do autor se expressam numa obra de ficção, tampouco é bem claro quanta realidade há num filme “baseado em fatos reais”. No fundo uma vida é uma história que contamos, principalmente para nós mesmos. Por isso Em Busca da Terra do Nunca, filme do diretor Marc Forster sobre a vida de J.M.Barrie, autor do clássico Peter Pan, não passa de mais uma lenda sobre a origem desse personagem. Se tivéssemos que colocar numa nave espacial umas cinqüenta coisas, consideradas representativas de nosso mundo, para ser encontrada por alienígenas e possibilitar que nos compreendam, há boa chance desta obra figurar entre elas. Surgido em 1902, Peter Pan é parte intrínseca de nosso imaginário, assim como de nossos pais e descendentes.

O filme narra o encontro de Barrie com quatro irmãos num parque. Início de uma relação que desembocou na tutela destes por parte do escritor, já que eles se tornaram órfãos de pai e mãe ao longo desse relacionamento. Na verdade, essas não foram as primeiras crianças por quem esse autor se fascinou, por exemplo, antes deles havia uma menina cuja amizade ele cultivou, que por ser muito pequena e não saber ainda pronunciar os erres, chamava-o de “my fwendy” (meu amigo). A pequena Margareth morreu aos seis anos, mas foi imortalizada pela personagem Wendy. Barrie não era pedófilo, tampouco devemos ficar supondo que realizava com essas crianças o sonho frustrado da paternidade. O filme de Forster afasta delicadamente por essas inferências para enfocar algo bem mais interessante: as crianças têm o poder de despertar nossa relação com a infância. Barrie nutria-se de sua companhia para deixar brotar em seu interior a parte onírica da infância, os sonhos de piratas, sereias, índios, o desejo infantil de voar. Outros escritores, como Lewis Carroll e Frank Baum (autor do “Mágico de Oz”), também eram bem populares entre seus pequenos amigos.

Crianças não precisam fumar nem beber para imaginar coisas absurdas e ter ataques de riso ou bobeira. É na infância que praticamos todo tipo de dispersão alucinógena, principalmente quando a situação está chata ou difícil (como numa aula ou sermão). Com o tempo, aprendemos a focar, a priorizar, a concentrar. Ainda bem. Mas quando a fantasia é requerida, os serviços de uma criança são imprescindíveis. Os que se tornam pais sabem disso, pois são levados a um grato reencontro com seu baú de infância e reaprendem a fantasiar. Dizem que Barrie era um infantilóide, impotente e que se portava mais como irmão do que guardião dos meninos. Que diferença faz isso, se ele conseguiu fazer a melhor tradução do culto da infância, que é uma das grandes paixões de nosso tempo. Sua obra foi coisa de gente grande.

23/02/05 |
(0)
Nenhum Comentário Ainda.

Comente este Post

Nota: Seu e-mail não será publicado.

Siga os comentários via RSS.