Orgulho e espetáculo
Sobre o orgulho de ser gay
Não me orgulho de ser heterossexual, aliás, tanto faz, a ninguém importa mesmo. O Orgulho Gay foi e é a tônica de um movimento que veicula uma visão politicamente fundamental: não há motivo para se envergonhar por amar uma pessoa do mesmo sexo. Sonho com o dia em que a primeira frase duma crônica fosse assim: “Não me orgulho de ser homossexual, aliás, tanto faz, a ninguém importa mesmo”. Mas é claro, estamos falando de um ideal.O homossexualismo tem seu lado festivo, seu carnaval extemporâneo, que é a Parada Gay (como a Parada Livre ocorrida em Porto Alegre no domingo). Trata de uma manifestação política em que os shows são presentes, aliás, como em qualquer outra concentração humana em que se queira chamar público. Porém, boa parte dos homossexuais sente-se parcamente representado na parada. Trata-se de gente comum, advogados(as), médicas(os), psicólogos(as), cobradoras(es) de ônibus, políticos(as), o professoras(es), carteiros(as), e assim por diante. Pessoas que participam da sociedade, vivendo e fazendo seu trabalho, para o qual não faz a mínima diferença com que tipo de pessoa estruturam suas fantasias eróticas. Assim não é da sua conta se qualquer pessoa do seu convívio amistoso ou laboral gosta de relações sexuais mais apimentadas ou com fantasias românticas. O que se passa entre quatro paredes é intimidade e isso somente interessa aos diretamente envolvidos.
O que me pergunto é se não há um certo esgotamento do gênero “parada”. Um número crescente de homossexuais está constituindo famílias, adotando crianças, organizando-se para gerá-las de formas alternativas, têm sogros, comparecem à reunião da escola dos filhos, à festa da firma do companheiro, à assembléia do condomínio, fazem as compras do mês no super. Amores assim deixam de ser uma aventura transgressiva para contaminar-se da normalidade dos casais convencionais e da rotina da família nuclear. Isso nada tem de espetacular, e guarda tão pouca relação com a drag queen dançando, linda e montada, sobre o caminhão, quanto a mulher atarefada da vida cotidiana tem com a gostosa do sambódromo. Eles são um espetáculo do fetiche sexual que podemos encarnar se nos aprouver. Uma brincadeira, misto de teatro de revista com ousadias de outros tempos.
Fazendo um paralelo com as mulheres, que também precisaram sair do armário para conquistar um lugar público, podemos dizer que o movimento feminista também teve momentos espetaculares. Foi preciso muita gritaria, incineração de sutiãs, encurtamento de saias e passeatas, para que as mulheres iniciassem a ainda inconclusa tarefa de se apropriar do seu corpo e do seu destino. Hoje a batalha é estritamente individual, fomos ao outro extremo, uma pena. Talvez o movimento gay tenda também à mesma oscilação entre a luta pública e as conquistas individuais. Difícil equilíbrio de lutas em andamento. De qualquer modo, se a Parada ainda existe, vistosa e barulhenta, é porque o preconceito persiste igualmente escandaloso. Responder à tristeza das mentes estreitas com o colorido de uma festa, isso um bom motivo de orgulho.