Os filhos de Adolf e Magda

Sobre o filme A queda, as últimas horas de Hitler

Gosto de me imaginar que se tivesse vivido no tempo da Segunda Guerra Mundial, teria sido da Resistência, ou que estaria entre os que lutaram no Gueto de Varsóvia. Mas e se eu ou você fossemos cidadãos alemães, amargando a derrota moral e econômica da I Guerra, os tempos duros que propiciaram a ascensão de Hitler, teríamos sabido discernir? Teríamos percebido a monstruosidade de sua proposta?

É com essa inquietação que saí do filme A Queda – Os últimos dias de Hitler, de Oliver Hirschbiegel. Narrado na perspectiva de uma jovem comum, uma das secretárias pessoais do Fürer, que o acompanhou da 1942 até o suicídio no Bunker, o filme nos deixa na estranha posição de pensar os fatos desde o ponto de vista mais incômodo: o da relação afetiva dos alemães com esse déspota messiânico, que envolveu uma nação em seu delírio de grandeza. Cada alemão que aderiu ou serviu o nazismo sentiu-se adotado por esse projeto, membro de um povo eleito para sobreviver ao dilúvio da perdição, representada pela democracia, os judeus e os comunistas.

O filme apresenta o privado e o público reproduzindo-se um no outro. Em larga escala, vemos Hitler punindo seu povo por não ter sabido realizar seu sonho. Despacha ordens absurdas, ordena massacres, nada fazendo para poupar vidas ou esperanças para uma gente cujo destino para ele nada valia. Na intimidade encontramos a sua versão feminina. Trata-se de Magda Goebbels, esposa do Ministro da Propaganda nazista, que antes de se suicidar envenena seus seis filhos, cujo futuro não lhe interessava se não fosse ocorrer no mundo que ela projetou para eles. Ambos, Hitler e a Sra. Goebbels ofereceram a seus súditos e descendentes um sonho de mão única: você poderá viver apenas se couber, física e espiritualmente, na exata medida do meu ideal. Aos olhos da população alemã, representada pela secretária jovem e medíocre, essa pareceu uma proposta aceitável, capaz de embotar-lhes os sentidos sobre as atrocidades cometidas. Mesmo porque nem os adeptos estavam livres delas, já que o regime se revelava inclemente com qualquer tipo de oposição ou fraqueza. Sendo assim, a simples sobrevivência de um cidadão já lhe garantia um lugar entre os eleitos.

É incrível que depois de um delírio coletivo desses, promovido por uma nação européia, achemos estranha a conduta dos homens-bomba muçulmanos e sua visão de mundo primitiva. As promessas messiânicas são perigosas porque são engolfantes e, por isso mesmo, podem ser calmantes. Livre de todas as dúvidas, da própria consciência, o povo alemão que aderiu ao nazismo viveu sua paixão fundamentalista. O lado negro da força é perigoso porque é hipnótico, a alienação que propõe é infantilizante, obedeça e isso basta. Adoraria não notar o quanto essas propostas totalitárias podem ser atraentes e que ainda não encontramos uma vacina eficaz. Talvez a saída passe pela dúvida, como sugeriu recentemente Calligaris, os humanos sem certezas absolutas são menos daninhos aos seus próximos e a si mesmos.

01/06/05 |
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