Os inúteis
Invejamos os funcionários públicos que recebem salários nababescos para fazer nada? O que isso revela de nós?
Há aqueles que dedicam grande energia a cultivar seu horror à política, seu discurso enojado costuma encontrar eco nas mais variadas rodas de conversa. Recentemente, esses cidadãos queixosos têm encontrado na divulgação dos salários dos funcionários públicos muita brasa para seu assado. Vejo uma espécie de voyeurismo, certa excitação até, ao referirem-se a essa personagem: o servidor público inútil e fartamente remunerado, assim como aos que recebem injustamente obscuras e nababescas pensões. Há, de fato, tristes distorções no salários, além de históricos maus tratos, entre os quais os trabalhadores públicos da educação são sem dúvida as maiores vítimas.
O fascínio com os aproveitadores do erário público têm aumentado e merece nosso olhar. Principalmente, porque vem acompanhado de outro discurso, mesmo uma prática, que é almejar um cargo público para “ganhar muito e trabalhar pouco”. Entre os críticos é comum a observação: – “isso eu queria para mim!”, como se o problema não fosse a corrupção, mas sim o fato de que não estamos sendo beneficiados por ela!
Esse funcionários ocupam o lugar simbólico daquele que, entre os irmãos, recebe mais cuidados e presentes. Pode ocorrer nas famílias que algum dos filhos seja o “estragado”, a quem os pais não fazem exigências, encobrem seus fracassos e transgressões, concedem todo tipo de favores. Não raro, esse tratamento produz toxicômanos, desajustados ou filhos eternos. Apesar disso, aos que não foram distinguidos com essa triste sina resta um sentimento de injustiça: por que tanto é dado ao pródigo? Não há reconhecimento por méritos e esforços?
Puxa sacos, safados e mafiosos dedicam a vida a uma obra que nada tem a ver com trabalho, atenção ao outro, construção de conhecimento ou qualquer realização. São como esses filhos atrofiados: vivem para cultivar relações escusas, fazer pactos de mediocridade. Um filho que nunca cresce entristece seus pais, mas jamais os abandona, nunca se sentirão descartáveis. A felicidade é ver os filhos tornarem-se capazes, mas o contrário, o filho dependente, é um destino tragicamente comum.
No fundo, gostaríamos de não ter que lutar tanto na vida, de não precisar ficar provando nossas capacidades em troca de parco retorno. Esquecemos que, assim como os filhos inúteis, os funcionários corruptos têm que conviver com essa triste versão de si mesmos. Nunca conhecerão o prazer da realização, da conquista, da superação. Antes mesmo de serem denunciados, já são condenados ao pântano da mediocridade, à pobreza de espírito. É apenas uma outra forma, ainda que invejada, de fracasso.