Os sem-estação
Sobre a dificuldade de suportar as variações de clima e de humor
Início de setembro, a primavera mal se anuncia, mas as árvores, ignorantes do calendário, explodem em flores há quase um mês, antecipando seu carnaval. O outono passou pela avenida desfalcado de suas melhores passistas e com a bateria a meio pau, nem deu para apreciar o espetáculo. A beleza das estações deve ser aproveitada quando dá, sem maiores previsibilidades, nem de intensidade, nem de hora de chegada ou de partida. Sentimos que as estações estão misturadas, voltando quando já deveriam andar longe, partindo cedo demais, intrometendo-se umas nas outras.
Entre os humanos ocorre uma confusão parecida: cada vez mais gente é diagnosticada de depressiva, portanto supõe-se que fica triste quando não deveria; há os que são considerados excessivamente ativos, portanto, ficam agitados quando tinham que estar tranqüilos; os ditos maníacos são acusados de ter arroubos de entusiasmo em horas e por causas impróprias; sem falar nos que têm o humor oscilante e assim por diante. Se nós fossemos o clima, a culpa desses despropósitos seria atribuída ao aquecimento global, mas a quem acusar pela impropriedade dos sentimentos e estados de espírito que nos assaltam?
Talvez hoje não haja nenhuma hora ou época aceitável para deprimir-se, para distrair-se, para agitar-se. Esses descontroles deveriam ser suprimidos com remédios psiquiátricos, enquanto a euforia, a motivação e os momentos meditativos ficam melhor quando produzidos sob encomenda, através das drogas ilegais. Nossos estados de espírito só parecem assim inadequados porque não suportamos senti-los, precisamos mantê-los no cabresto. A tristeza e o devaneio são coisas que não servem para trabalhar, estudar, fazer amigos, influenciar pessoas e arranjar namorado. Mas insistem em existir.
É como se suprimíssemos o inverno e o verão porque são demasiado radicais, incomodam. Quanto à primavera, ela que discipline suas flores e o outono que recolha suas folhas, afinal ninguém deve incumbir-se da bagunça dos outros! Olhados de perto, nossos humores têm sua lógica. Se analisarmos suas causas, nossos sentimentos são de origem compreensível, de certo modo previsíveis, como as estações são, ou eram. Se o planeta anda pregando-nos peças, vingativo dos estragos que lhe impusemos, provavelmente nossa cabeça também está a nos avisar: aceite meus ritmos, meus altos e baixos. Não somos autômatos, é impossível deixar de sentir o que não é útil ou admirável. Dessa maneira, ficaremos ainda mais maluquinhos, nós e o clima.