Para aquelas que não receberam flores
Sobre as mulheres que não tiveram filhos em 15/05/2002
No dia das mães todos têm motivos para dar flores (às vezes in memoriam), não há quem não teve algum tipo de mãe. A onipresença do tema da maternidade nesta época do ano gera constrangimento para as mulheres que deram mas não receberam flores. Bombardeadas pela mídia, pela imperativa cobrança de crescei e multiplicai-vos, fica difícil não se sentir uma mulher pela metade. A maternidade é vendida como o coroamento da carreira feminina.
Acredito que a condição feminina passa por colocar o amor como uma das realizações centrais da vida, não necessariamente pela maternidade. A idéia do parceiro como a “cara metade” esclarece que amamos no outro o que falta em nós. A maternidade não é uma experiência de falta, é de completude. Grávida ou puérpera, a mãe compõe com seu filhote um só ser auto-suficiente, entrega-se a um pequeno alien que se nutre do corpo e da mente de sua hospedeira.
Por isso muitas relações amorosas tropeçam em crises quando nasce um filho. Sua chegada torna tortuosos os caminhos de retomada da vida erótica e da cumplicidade do casal. Na relação da mulher com o próprio corpo também há um divórcio. Inchada, cansada e derramando leite, a mulher chora nos primeiros dias de maternidade sem saber exatamente porquê. Essa emoção incontrolável é fruto do vínculo tão intenso e vital que ela tem com seu bebê.
O amor é uma versão poética desta dependência inaugural. Num casal, os parceiros não estão visceralmente ligados, apenas combinam entre si que vão representar “tudo um para o outro”. Entre mãe e filho não há um acordo, eles de fato são tudo um para o outro. Decidir-se pela maternidade, depende de querer e poder suportar esta entrega tão radical em seus primórdios. Suportá-la depende da história de cada mulher, do quanto suas vivências prévias deixaram nela a condição e o desejo de reencontrar este vínculo que ela já viveu com sua própria mãe. Não nego que é uma experiência que faz ver a vida de outro modo, crescer. Mas se atirar de pára-quedas também é e nem por isso seremos humanos covardes se não o fizermos. Em suma, toda mulher tem direito a sofrer de vertigem, a não ser mãe e nem por isso terá menos a comemorar no dia 8 de março.