Pequenas paixões

Sobre coleções e artes plásticas

Um colecionador é um sujeito invejável: ele sempre sabe o que quer. Pobres dos que não tem uma paixão tão precisa, andam a deriva, sem saber o que buscar. Uma variante qualquer que decore seu objeto de desejo é o suficiente para que ele entusiasticamente o incorpore a uma série interminável de pequenas ou grandes possessões. Ele não está preocupado em porque se dedicar a caixinhas de fósforo, sapos ou corujas…Reivindica-se ligado a estes objetos e os classifica, expõe, busca. Estas obsessões o representam. Conhecer uma coleção é aprender a perceber variáveis num universo recém revelado. Por exemplo, antes da visita não sabíamos que poderia haver tantos tipos de pingüins de geladeira e, principalmente, que eles deveriam ser preservados da extinção.

Desejar é um jogo interminável entre a satisfação e a incompletude. Juntar um determinado tipo de objeto é dar uma forma ao que nos falta, simplificar a busca, liquidar com a angústia, que é o nome que damos a esse vazio que nada pode preencher. Por outro lado,  é saber que sempre haverá mais objetos a acrescentar, uma coleção é infinita, tanto quanto nosso desejo é insaciável.

O Santander Cultural abriga até 29 de setembro uma coleção de preciosidades. Elas estão divididas em dois grupos. No primeiro, artistas que organizaram objetos para nos fazer pensar (o conjunto foi denominado “Apropriações e Coleções”), no segundo, podemos visitar coleções de aficionados (chamado de “Objetos de Desejo”).

Os artistas revelam um segredo dos colecionadores: juntar objetos é uma pequena paixão que representa uma memória, um traço, uma palavra. Farnese de Andrade transforma oratórios, mutila bonecas e santinhos, objetos coletados em antiquários, revelando a face sinistra do passado. Nelson Leirner monta uma “Romaria” de caminhões de brinquedo preenchidos com objetos kitsch, lembrando o quanto crianças colecionam ao brincar e vice-versa. Elida Tessler montou um corredor com objetos que tem em seu nome a palavra “Dor”. Os artistas lembram que uma coleção é uma mensagem que se repete, que representa seu dono, que faz um conjunto eloqüente de algo que, como os pingüins de geladeira, não deve se extinguir. Nosso desejo é assim, bate sempre na mesma tecla e nunca se aquieta. Talvez colecionadores revelem um segredo que é o de todos nós.

24/07/04 |
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