Perdidos em Montevideo
Visitando o vizinho Uruguay, remendando a esperança esfarrapada.
Sou a pior navegadora do mundo e posso dar-me a esse luxo graças à boa bússola interna do meu marido motorista. Porém, ela falhou quando ele resolveu entrar em Montevideo por um “atalho”. Perdemo-nos feio. Por longo tempo vagamos por uma parte da cidade que desconhecíamos, feia, pobre e labiríntica, na qual a cada tentativa de sair nos internávamos mais. Além disso, homens detestam parar para perguntar.
Na periferia humilde da capital uruguaia turistas são sempre acidentais. Composta de blocos de moradia popular, casas simples, ruas em obras ou estreitas, sem arborização, era uma paisagem totalmente desprovida do charme que os brasileiros têm buscado cada vez mais em suas férias.
Perto das nossas favelas, a pobreza montevideana seria de fazer-nos derreter de vergonha. Apesar disso, o presidente uruguaio Mujica tem no problema da habitação sua principal fonte de preocupação, a ponto de destinar a maior parte do próprio salário a um programa de moradias populares, sua menina dos olhos.
O passeio foi um percurso involuntário, estávamos em um lugar estrangeiro do país que nos é tão familiar. Lembrei dessa condição de estar deslocado, pouco à vontade em um espaço, ao ler sobre os Rolêzinhos paulistanos: movimentos de invasão ruidosa mas pacífica dos Shoppings por parte de jovens que são visivelmente habitantes da periferia. Não se trata de arrastões, eles nada roubam, vão somente marcar presença, apoiar-se uns nos outros para forçar a entrada em um espaço onde só o fariam enquanto invisíveis.
Na prática, eles já frequentam esses templos de consumo. Ninguém lhes impede a entrada desde que estejam de uniforme, touca, lavando o chão, limpando, cozinhando, consertando, construindo e, principalmente, de olhos baixos. Já se estiverem vestidos de festa, barulhentos e visíveis, serão expulsos, presos e causam pânico nos nativos do centro comercial.
Em Montevidéu fizemos esse Rolêzinho ao contrário, invadindo uma praia que não era nossa. Embora não tenhamos sido escorraçados, estávamos fora de lugar, estrangeiros perdidos numa parte feia da cidade, fora da rota turística. Valeu só para constatar que as diferenças sociais deles são muito menores que nossa abissal divisão de castas, raças e territórios.
Não faz muito tempo o Uruguai sofria uma estagnação econômica, uma visível decadência que expulsava os jovens para fora de suas fronteiras. Hoje, angariando a simpatia mundial, o pequeno país lidera em qualidade de vida, liberdade e tolerância. Eles ainda têm muitos problemas, mas há um clima de mudanças, fruto da coragem da população e dos governantes por ela escolhidos para fazer diferente. Recomendo, seja por caminhos achados ou perdidos, uma visita ao Uruguay. Tão longe do Maranhão miserável e feudal, nossa vergonha nacional, essa pobre, mas próspera, parte de Montevidéu deu-me uma lição de esperança. Parece possível apostar em um país onde seus habitantes não estejam condenados a viver em guetos, entrincheirados pela miséria, pelo preconceito e pelo medo.
Muito bom texto, como sempre, aliás.
Estou pensando em mudar-me para o Uruguai. Por dois grandes motivos: o próprio país, igualitário e progressista. O segundo, é para fugir dessa hipocrisia, sistemas de castas, classe média arrogante, preconceituosa, que não se enxerga. Temos muito disso no Brasil, e no Rio Grande do Sul, em especial.
Emocionante.
Parabéns pela matéria… Confesso que fiquei mais curioso em visitar o Uruguai…