Perto demais da realidade
Sobre o filme Closer
Quando as luzes se acendem, as comédias românticas nos devolvem à vida com a sensação de que tudo o que temos é medíocre e sem graça, se comparado à magia, à sincronia e felicidade dos protagonistas. Já filmes como Perto Demais (Closer, dirigido por Mike Nichols, 2004) nos expulsam do cinema mais maduros e menos ingênuos.
Quer seja por narcisismo ferido ou por solidariedade, sempre que algum de nós, ou alguém de quem gostamos, foi traído, abandonado ou rompeu uma relação, enxergamos a situação apenas desde o ângulo que nos convém. Mas Nichols oferece a possibilidade de enfocar um quarteto amoroso desde o ponto de vista dos quatro. Tanto quanto é possível, somos levados a compreender as razões que cada um dos personagens teve para se comportar de determinado forma. No filme, há dois homens, ambos comprometidos, que disputam a mulher de um deles. Por vezes eles parecem mais envolvidos um com o outro e com essa competição do que com amada em questão. Suas mulheres não entram em disputa entre si, cada uma delas encarna questões diferentes. A mais velha, uma fotógrafa, enrola-se na própria inquietude, adora um amor culpado e nunca sabe direito quem ama. São essas vacilações que a tornam um objeto perfeito para a contenda deles. A mais moça é sob medida para as fantasias sexuais masculinas: lembra uma adolescente, mas é uma stripper, portanto ao mesmo tempo é uma mulher. A questão que a ocupa é a da mentira, nada é o que parece, diz ela o tempo todo. Talvez por ser a mais jovem ela pode brincar mais com os estereótipos sexuais e questioná-los, é a menos ardilosa e também a que sai menos machucada.
Nas versões que fazemos das histórias amorosas que protagonizamos, há os papéis de traídos e traidores, bons e maus. Sabemos que, no fundo, não há inocentes nem culpados. Quando num casal, alguém introduz um terceiro, este passa a se relacionar com ambos, não somente com o amante carnal. Aqui já temos um amor a três, da qual também participa ativamente aquele que é “enganado”, mesmo que seja de forma inconsciente. O recurso de se vitimizar é compreensível, pois um rompimento torna-se bem mais doloroso se tivermos que pensar qual foi nossa parte, nossos cinqüenta por cento, na produção desse naufrágio a dois. A possibilidade de acusar alguém não deixa de ser uma forma de alívio. É uma pena, porque quanto menos nos damos conta, mais tendemos a repetir as mesmas bobagens com novos parceiros.
Em Perto Demais os quatro protagonistas da trama estão em pontos equivalentes, nenhum deles parece ser o dono da história, qualquer um dos quatro poderia ser o ator principal, em momentos distintos. Assim, oscilamos ao longo do filme, simpatizando com um ou com outro personagem conforme a cena. Graças a isso, a verdade relativiza-se. Se conseguíssemos fazer isso na vida, tenderíamos a ser menos dramáticos e mentirosos na avaliação de nossos fracassos. A vida real é como esse filme: no amor não há vítimas, há mesmo é gente complicada e ambivalente. De perto ninguém é banal.
Há algo em closer que tece com Marriage Story e está aí, nesse ponto de vista visceral da investida em planos e diálogos que desenrolam a vida e o desejo de cada um mesmo que o preço seja expor as pobres fantasias desses personagens. É como se eles falassem conosco às avessas, de dentro pra fora.