Piadas pós-feministas

Sobre a humorista argentina Maitena em 28/07/2005

Se um homem dissesse a uma mulher que ela está Superada, ou Alterada, que é mal-amada, obcecada pelo peso, paranóica com a celulite, vítima da moda e uma mãe neurótica, se arrependeria no inferno. Mas a humorista argentina Maitena (autora de tiras publicadas em jornais e revistas, assim como dos livros “Mulheres Alteradas”, Ed. Rocco) pode isso e muitíssimo mais. Seus trabalhos são precisos e quase cruéis com o sexo frágil, principalmente em revelar os aspectos nada frágeis de nosso modo de ser. Seu traço sublinha uma insatisfação crônica, fonte de sofrimento e de uma certa maldade feminina. Mulheres são detalhistas e têm um olhar aguçado para perceber as pequenas contradições que revelam grandes verdades.

Séculos confinadas na intimidade do lar, reduzidas às lides com as coisas aparentemente pequenas, nos treinaram para esta perspicácia. Mas esse feitiço também se volta contra as feiticeiras: o olhar sobre nós mesmas, umas sobre as outras, sobre nossos homens e filhos também sabe ser cruel. Por isso, quando nos produzimos raramente é para a apreciação dos homens, os quais sequer são muito observadores. Os temidos juízes da nossa imagem são as outras mulheres. Talvez estas características se modifiquem, a partir da crescente paridade da vida de ambos os sexos. Porém, hoje o quadro é bem estressante para essa metade da humanidade. Como sobreviver à necessidade de ocupar-se dos grandes temas (ciência, política, negócios, etc.), território antes reservado aos machos, sendo tão críticas, minuciosas e exigentes, principalmente conosco mesmas?

O humor tem a capacidade de desmontar uma cena, questionar o que parecia óbvio, é um olhar ludicamente estrangeiro. Maitena abre as minúcias da vida cotidiana das mulheres para esse ponto de vista. As conquistas feministas tornaram indecorosas as piadas machistas, porém, isto também dificultou que se fizesse humor sobre e entre as mulheres. Sensíveis, vitimizadas por anos de preconceitos, passamos a ser tratadas com uma seriedade politicamente correta, que nos privou de brincar. Não cabia a um homem romper esta dieta, foi ela.

Há no trabalho de Maitena muita empatia com a gincana que é a vida de uma mulher, cada uma acredita ser a única incapaz de cumprir todas as tarefas, é um alívio poder questionar essa missão impossível. Para seguir adiante, talvez seja necessário saber o que fazer com esta terrível lucidez, que seguidamente nos azeda a existência, fazer humor com ela é uma boa idéia…

28/07/05 |
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