Plágio do bem

Tenho duas filhas, 20 e 16 anos. Apesar das idades e estilos diversos, o conteúdo dos armários aqui em casa circula, especialmente entre elas. As roupas passam de um corpo a outro, e nem sempre voltam ao mesmo guarda roupa. Eu estou mais para fornecedora do que usuária, mesmo porque meu corpo não é o […]

Tenho duas filhas, 20 e 16 anos. Apesar das idades e estilos diversos, o conteúdo dos armários aqui em casa circula, especialmente entre elas. As roupas passam de um corpo a outro, e nem sempre voltam ao mesmo guarda roupa. Eu estou mais para fornecedora do que usuária, mesmo porque meu corpo não é o mesmo dos vinte anos. Por vezes, porém, posso aproveitar alguma peça delas, e é uma sensação de andar acompanhada o dia inteiro.

Algumas roupas são adquiridas para uso coletivo, mas caem nas graças de uma ou de outra e acabam decretadas de sua propriedade, outras mudam de dona. Por sorte poucas são motivo de discórdia o que faz o trânsito ser pacífico. Conhecemos o gosto umas das outras, mesmo quando uma roupa ainda está na vitrine, sabemos se ela é do feitio de uma de nós. Claro, isso não a impede de ser surrupiada e corrompida em combinações que jamais seriam propostas pela sua dona. Temos o suficiente para ser autônomas, podemos vestir-nos bem sem auxílio do armário das outras, mas que graça teria?

Usar uma roupa alheia, para uma mulher, é ser um pouco ela. Ou ele, se por acaso for uma peça do namorado, do irmão ou pai. Os homens entre si não costumam emprestar-se roupa com a mesma freqüência nem com a carga de sentimentos equivalente. A transmissão e estabelecimento da condição feminina têm poucos templos de celebração, nada da magnitude de um estádio, por exemplo. Seria triste dizer que nossa Meca é um Shopping, que é lá que as mulheres se encontram, mas em certa medida talvez seja.

Ser mulher é também uma questão de parecê-lo: mesmo no mais despojado dos visuais, nossa aparência é estudada, não nos vestimos, nos montamos. Definir um estilo, então, é similar a tornar-se mulher, e mais que isso, uma mulher específica. Tomar uma roupa emprestada é fazer parte de um coletivo de mulheres, as quais se conhecem e reconhecem enquanto únicas.

Somos bastante confessionais e gregárias, vamos juntas ao banheiro para trocar impressões durante um jantar, uma festa, uma palestra. Costumamos ficar irritadas quando os homens se reúnem para beber, conversar, assistir futebol, mas esquecemos que nós sempre andamos em bando, muitas vezes mimetizadas umas com as outras.

Na produção intelectual os autores são ciosos de receber os devidos créditos por cada palavra, existe o pânico de serem plagiados, já a moda é um plágio instituído. Em psicanálise acreditamos que a identificação é feita de pedaços dos outros que usurpamos e incorporamos em nossa personalidade, como se fosse nosso, como se fosse nós. Gostamos de nos pensar como únicas e singulares, mas nossa personalidade é como um patchwork. Quando usamos alguma coisa de outra mulher fantasiamo-nos dela. Somos plagiarias por fora, mas por dentro é como dizer: farei meu o que é dela porque a admiro, a amo. Vestir-nos umas das outras é uma das boas coisas da confraria das mulheres. Há o lado negro de tudo isso, mas não pretendo lembrar-me dele hoje.

Um Comentário
  1. Djanira Moura permalink

    Adorei!!! Aqui em casa também sou mais fornecedora que usuária. Minhas moças de 27 e 17 desfilam roupas que usei há 10/15 anos atrás.
    Sobre os ‘penduricalhos’ que amamos, não lembro bem, mas acho que foi Freud quem disse que na falta do FALO usamos brincos, colares, pulseiras, aneis…enfeites para compensar o “ditocujo” rsrsr. Bj. Djanira Moura

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