POBRE MENINA RICA
Sobre o assassinato dos pais por Suzane Von Richthofen
A história de Suzane Richthofen tem todos os ingredientes dum grande drama: bonita, mimada, universitária, poliglota, pais ricos com sobrenome nobre, mas namorou um rapaz pobre, inculto e envolvido com drogas. Dois mundos se encontraram num resultado funesto. Num país de baixa mobilidade social, não a perdoamos por ter tido as melhores chances e fazer tão feio. Sua história abala nossa fé na educação das crianças. Infelizmente, a fartura de recursos não impede a pobreza de espírito.
Não me compete julgar a moça. Espero que a justiça faça seu trabalho de forma intransigente e sem atenuantes. Considerar alguém insano, irresponsável por seus atos, em geral impede-o de elaborar ou pagar pelo que fez. A parca chance de ela voltar a um destino digno passa por uma pena severa.
Suzane aguardava julgamento em liberdade, quando foi recolhida novamente ao presídio, no dia seguinte a que foi entrevistada pela televisão. Julgada por nós, é culpada por chorar lágrimas de crocodilo. Como vemos, o caso da jovem parricida já transcendeu os tribunais, é agora espetáculo de domínio público, para que você Veja no circo do Fantástico. Compramos entradas para assistir o linchamento moral de Suzane porque estamos inclinados a fazer justiça com as próprias mãos. Afinal, é crença que a impunidade seria a tônica dos processos no Brasil. Assim, o pelourinho midiático contrabalançaria a suposta falta da justiça.
Execrar Suzane parece também uma forma de separar o bem de um mal intragável, como o parricídio. Garantindo, como fez o Fantástico, que ela é má, que estava fingindo culpa e sofrimento, ficamos mais tranqüilos, certos de que não somos da mesma laia.
Precisamos disso porque somos imaginariamente parricidas. Ao longo da vida matamos nossos pais inúmeras vezes, na medida em que vamos crescendo. Winnicott dizia que o melhor que os pais têm a fazer é sobreviver, para que possam ser assassinados pelos seus filhos. Lenta e repetidamente, acrescentaria. A cada rodada de negociação por mais liberdade, toda vez que nos apropriamos de um traço de identidade que eles nos legaram, mas que precisamos tornar nosso, matamos um pouco nossos pais. Quando eles realmente morrem, compartilhando os cabelos brancos conosco, já não são aqueles da infância e da juventude, com quem tantas vezes duelamos, quer seja em sonhos, em fantasias ou em pensamentos. Suzane já não tem esse recurso, seu ato desesperado de livrar-se dos pais condenou-a a uma infância perpétua, na medida em que estará sempre presa a essa história.
Se houver uma maldade essencial em Suzane, diminui o risco de que se encurte a distância entre os atos dela e nossas fantasias inconscientes. Essa distância é enorme, por isso o parricídio é um crime raro, mas nossos pensamentos sabem ser sombrios… por isso os tememos. Linchemos Suzane então, assim podemos acreditar na integridade da justiça e na nossa. É sempre um alívio ter um Judas para malhar.