Poetas
Sobre Carpinejar e oTwitter como poesia
Faz tempo que Mário Quintana não nos visita. Jamais me ocorreu que o faria “twittando”. O twitter é uma rede de pessoas, ligadas pelos seus celulares e ou computadores que trocam mensagens de até 140 caracteres. Para tornar-se “seguidores” uns dos outros, os usuários do twitter se inscrevem uns com os outros, se “seguem”, para usar a terminologia deles. A pergunta que aparece antes do campo onde escrevemos a mensagem que será enviada a nossos seguidores é: o que você está fazendo agora? No começo e ainda em grande número, as respostas foram literalmente banais: “estou curtindo uma gripe”, “cheio de trabalho” ou “indo encontrar minha linda namorada”, isso entre recomendações ou críticas de eventos culturais, locais de lazer, restaurantes e produtos variados.
Óbvio que o twitter virou o fofocódromo prioritário, nunca a divulgação de algo se espalhou tão rápido. Fora isso, em momentos políticos graves, é uma forma incontrolável de divulgação do que quer ser ocultar. Os recentes protestos no Irã foram organizados por twitter.
Fabrício Carpinejar tomou a chatice do dispositivo do twitter de assalto combatendo-a com poesia, humor e irreverência. Para provar que em comunicação nada se perde, tudo se compartilha, as mensagens que ele foi divulgando ao longo de alguns meses estão compiladas em forma de livro: www.twitter.com/carpinejar, Ed. Bertrand Brasil. Acessível para estrangeiros digitais ou, como eu, amantes do papel.
Embora também escreva crônicas, Carpinejar, como Quintana, sempre foi poeta, e ambos grandes frasistas. Conhecendo-o pessoalmente sei que ele é essas duas coisas, pois não existe banalidade da qual ele não extraia uma tirada e compartilhe com os próximos. Para nossa sorte Fabrício vaza poesia: “Eu me inundo por bem pouco.”; “Mexa as chaves no bolso para despertar uma porta.”; “Não quero alma gêmea, isso é incesto.”; “Quando morto, não venha cobrir minha cabeça com lençol. Desejo jornal sobre o rosto, morrer bem informado.”; “Madrugada em claro não traz clareza.”; “O tédio é uma tristeza que não sonha”. No twitter apenas ele aumenta o alcance disso que já fazia.
A ninguém interessa se eu, você, ou outros mortais vamos dormir, é insignificante. Tampouco importa o que Carpinejar vai fazer. Mas depois que ele escreveu que “arrumar a cama é preparar um envelope para nos guardar”, tenho menos medo da insônia. Vai ver que poesia é isso, upgrade da vida cotidiana, transcrição das catacumbas pessoais, legibilidade do indigesto. Com Carpinejar esvazio a saudades de Quintana.