Porto Alegre tem Mu-Mu
Sobre a cidade
Conheci o Brasil com um olhar infantil e estrangeiro (nasci uruguaia), cheguei primeiro na cidade de São Paulo, que me apresentou à poluição e à programação infantil da TV (a qual muito me ajudou na aquisição dessa língua impronunciável). Quando mudamos para Porto Alegre, percorremos em nosso fusca turquesa os mais de mil quilômetros que nos separavam do novo lar. No caminho, como recém havia aprendido a ler, chamaram minha atenção as placas que anunciavam cada cidade: “cidade tal tem Mu-Mu”. Para os que não sabem, Mu-Mu é uma marca de doce de leite. Pois bem, eu não sabia, então supus, com o tipo de pensamento poeticamente incoerente que as crianças têm, que Mu-Mu era uma espécie de qualidade abstrata, de elogio à essência de uma cidade. Traduzindo para uma linguagem adulta, o Mu-Mu de uma cidade seria onde o melhor de seu espírito se revelaria.
Nessa lógica, domingo pela manhã, o Brique do Parque da Redenção tem Mu-Mu. Se faz sol, todos saem para ventilar seus nenês, cachorrinhos, amados e amigos. Mas não precisa ser um lugar, pode ser um horário: dia de semana, de segunda a sexta, o rádio tem Mu-Mu depois do almoço, no irreverente e indefinível programa Cafezinho (Rádio Pop-Rock), que faz as pessoas rirem sozinhas nos carros a caminho do trabalho, e para os boleiros tem o Sala de Redação (Rádio Gaúcha), praticantes da árdua tarefa de extrair filosofia do futebol. Ou horário e lugar. Terça feira à noite é dia de Sarau Elétrico, onde se distribui erudição com a leveza de quem está jogando conversa fora, tudo isso num lugar que tem Mu-Mu, o bar Ocidente, onde muita coisa começou. Para os mais clássicos, terça também tem os concertos da OSPA, um luxo. Sexta tem Mu-Mu num espetáculo de humor escrachado, terreiro onde baixa o espírito do Chacrinha: é a Bagasexta, promovida pelo Depósito de Teatro. Também tem Mu-Mu no pôr-do-sol no Guaíba, visto da Usina do Gasômetro, em cartaz sempre que não chover. Tem Mu-Mu em outubro por causa dos jacarandás floridos e da Feira do Livro, onde os livros servem de pretexto para encontrar os amigos, e em janeiro, quando o Fórum Social Mundial traz o reconhecimento internacional de nossa politização. Provavelmente outros citarão coisas diferentes, estas são que me ocorrem no momento.
Dias atrás, depois de assistir à montagem de Antígona (por sorte, volta em outubro), no charmoso Theatro São Pedro, fui tomada desse sentimento de pertencer, de fato, a uma Polis. Na verdade meu equívoco infantil não era tão grande, a essência de uma cidade está naquilo que agrada ao paladar, mas o valor é sentido na outra língua, na abstrata, na consistência cultural de um lugar. Se antes o acaso me trouxe aqui, com o tempo posso dizer que é uma escolha, porque Porto Alegre tem Mu-Mu!
é tri legal