Posta Restante

Filhos crescidos órfãos de seus pais são remetentes de uma carta sem endereço.

Quando precisamos enviar uma carta para alguém que não tem como indicar um endereço para recebe-la, a destinamos à Posta Restante. Dessa forma, ela vai para a agência de correios da região mais próxima e espera-se que o destinatário vá buscá-la. Vou ter que lançar mão desse recurso, porque é quase dia dos pais e preciso urgente dar uma notícia importante para o meu.

Acontece que ele se foi para sempre. Estou com o problema dos filhos órfãos, mesmo que tardios, que sequer possuem uma Posta Restante para usar. Há órfãos da vida toda, mas, seguindo o curso natural, esse desamparo próprio da orfandade acaba chegando para todos. Nesses casos, precisamos usar a imaginação, travar diálogos na fantasia para contar as novidades. Queria muito contar ao meu pai que seu neto, meu sobrinho portenho, acabou de se formar. Ele agora é segundo psicólogo da sua geração na família. Como fazemos quando os pais já não têm como ficar sabendo dessas coisas?

Sei que há genitores indignos de serem chamados de pais, que são narcisistas, malucos, destrutivos ou indiferentes à vida dos filhos. Por sorte, são minoria. Já os que vestiram a camiseta da paternidade são os maiores entusiastas, interessados nas gracinhas iniciais, assim como nas conquistas posteriores das suas crias. Ao longo da vida teremos que dar jeito de angariar novos públicos: amigos, amores, colegas, filhos, mas com os pais já temos a garantia, de saída, de uma plateia inicial.

Pior, que fazer conosco nos dias de homenagem, quando não há a quem presentear? Há substitutos: figuras paternas que nos inspiraram, nos cuidaram ou nos amaram, mas o tempo vai nos roubando também a estes, deixando-nos à deriva, como uma carta sem endereço.

Com meu pai, nos últimos anos, desenvolvemos uma forma intimista de comemoração: em alguma hora do domingo íamos a um café conversar e passávamos a vida a limpo. Era um engenheiro, homem de relatórios, objetivos claros. A formatura desse neto estava entre suas metas, iria alegrar-se muito, mas para onde mando o relato minucioso do evento?

Nossa forma de celebração servia para lembrar que a vida dos filhos é o melhor presente para seus pais. Muito mais difícil de oferecer do que um objeto de loja, é a continuação de seus ideais que eles gostariam de receber em troca do tanto que sonharam em nós. Embora esse tipo de oferenda pareça uma missão irrealizável, na verdade a falta dela acaba sendo muito mais difícil de suportar. Pais são aqueles a quem destinamos nossas notícias, enquanto os filhos são os remetentes. De um jeito ou de outro, sempre resta algum lugar para onde postar. Mesmo que em pensamentos.

12 Comentários
  1. Abrão Slavutzky permalink

    Diana: Quando nossos pais morrem, eles vivem no pensamento, vivem no que se é, vivem no que tão bem escreveste. Perto d onde morava havia um Centro Espirita com uma caixa de correspondência para os vivos e outra para os mortos. Para onde enviavam as cartas dirigidas aos mortos eu nunca soube. Parabéns por nos aliviar de nossas perdas. É ótimo ler artigos de gratidão, a mais agradável das virtudes. Abrão

    • Diana permalink

      Abrão: que linda essa história das caixas de correspondência. podias escrever sobre elas né?
      Abraços
      Diana

  2. Sonia M B Slavutzky permalink

    Lindo e tocante este texto! Fiquei pensando numa nuvem de postas restantes!
    bjs
    Sonia

  3. Eliana Betancourt permalink

    Diana, que beleza de sentimento: gratidão.

  4. deborah de paula souza permalink

    que homenagem bonita e singela. às vezes, essas cartas para os pais que morreram têm algum peso daquilo que não foi dito, do que faltou contar. mas vc tomava café com seu pai e passava a vida a limpo. queria mandar uma carta para partilhar uma alegria. E mandou…. estamos lendo aqui. obrigada.

    • Diana permalink

      igual, vivemos de pendências, tentando completar diálogos, como bem sabes!
      beijos saudosos!
      Diana

  5. Neivo Zago permalink

    Um texto muito apropriado, diferente do trivial e serve para reflexão sobre a paternidade, filhos e afins. Neivo

  6. Jeani Jaeget permalink

    Lindo texto! Exatamente como me sinto…
    Obrigada por tanta sensibilidade…

  7. Adriana permalink

    Teu texto reflete em tudo o sentimento dos órfãos tardios, e me fez lembrar muito dos meus pais. Pai e Mãe repletos de inquietudes, dificuldades e defeitos, mas também plenos em sabedoria, carinho, amor e ética. Dia dos Pais, ou das Mães, não se insere num dia específico, e nem no “mundo dos vivos”. Este dia está inserido nas nosss entranhas, no que somos, no que transmitimos aos nossos filhos. E o diálogo dos órfãos tardios, como eu, se faz no silêncio e no reconhecimento da presença deles na minha vida, nas minhas atitudes,em quando olho minhas mãos e vejo as de minha mãe…quando olho meus filhos e reconheço neles a solidariedade e respeito ao outro que meu Pai nos ensinou. E quando bate aquela saudade de ouvir a voz, tocar a pele, dar uma boa gargalhada juntos, respiro fundo e sigo em frente, com a certeza de que, quem parte, permanece vivo no coração daqueles que amam.

  8. Jeane Larronda permalink

    Prof. Diana, foram significativas suas palavras aos filhos que , hoje órfãos de pais , poderão entendê-las com clareza. Mesmo ausentes fisicamente , nossos pais vivem em nosso cotidiano por pensamentos e valores que temos.Sinto que muito do que sou tem a ver com o pai que tive mas só bem tarde reconheci. Já como mãe agora, penso que é por isto que entendo ,também ,o sentido possível do desejado “ser eterno”: é através dos filhos que podemos nos eternizar .Obrigada pelo texto .

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