Princesinha Punk, a rebeldia domada
Sobre a popularidade de Avril Lavigne
Ela é somente “uma princesinha punk, tentando fazer as coisas direito”(sic). A micro-pop-star canadense Avril Lavigne lotou vários estádios do país com um contingente de jovenzinhas(os) eufóricas(os) e de famílias com crianças. É uma artista fraquinha, mas parece que sua popularidade provém de que ela teria “atitude”, seja lá o que isso for. Avril mira numa fatia de mercado em ascensão: os púberes, afinal, é preciso oferecer ídolos na medida das necessidades dessa faixa etária. Ela canta para gente que brinca de parecer adolescente antes de sê-lo, mas cabe a nós, adultos, não confundir as coisas: a juventude não é só casca.
Ela é uma menina que faz o gênero skatista, um esporte geralmente masculino. O skate é uma forma diferente e lúdica de utilizar o asfalto. As letras de suas músicas aludem à vontade de ser autêntica e a dilemas amorosos pueris, coisas do tipo “eu meio que gosto de você”. É miudinha, tem físico de menina e uma sensualidade disfarçada. O que se deixa ver de seu corpo confunde-se com displicência, como uma borda de calcinha aparente numa calça meio caída. Anda pintada como se tivesse assaltado a gaveta de maquiagens da mãe, num exagero que quer ser punk. Os cabelos esticados completam o desleixo estudado com um toque assumido de patricinha. Enfim, uma rebelde light para consumo de proto-adolescentes.
Nossa identidade se constrói sobre o fio de uma navalha. Equilibramo-nos, periclitantes, entre o desejo de ser ímpares -olha pra mim, sou especial!-, e a contraditória necessidade de fazer parte de algum grupo que nos instrua sobre a atitude certa. Para tanto, vendem-se insígnias, que dividem o exército de consumidores em pelotões e hierarquias. Ao mesmo tempo, achamos que um certo tempero de marginalidade (mesmo que seja fake) nos garantiria a imparidade. Avril não se furta à tarefa e, mais que música, oferece uma “atitude” adolescente ao portador.
A adolescência é um tempo interessante: amamos muito e muitos, temos um destino cheio de possibilidades, somos bonitos, cheios de energia e, se tivermos um mínimo de tutano, podemos ver a vida desde outras óticas, surpreendentes, revolucionárias. A juventude pode ser vivida como uma ocasião própria para questionar a tudo e a todos, e assim ajudar a sociedade a se interrogar. Mas se houver apenas jovens simplórios, capazes somente de ficar se macaqueando, de tal jeito que apenas pareçam irreverentes, essa rebeldia (da qual nascem muitas invenções) se perde. Avril é uma imagem de adolescente à venda para os principiantes, uma adolescência de boutique. A rebeldia juvenil domesticada, produzida no instituto de beleza, não é nociva, é apenas triste. O problema é que ela tem lá suas vantagens: certamente os adultos de plantão não se verão questionados pelo raciocínio prepotente e ácido dos moços. Não é nada fácil suportar as críticas, mas uma sociedade precisa, como dizia Winnicott: “ser chacoalhada pelas aspirações de seus membros não responsáveis”. Precisamos da visão crítica dos adolescentes de verdade e rebeldia não se vende em loja.