Quem está falando?
Sobre textos apócrifos na internet, assunto do livro Caiu na Rede
Sabe aquela famosa poesia da Clarice Lispector, “Não te amo mais”, que quando lida de cima para baixo é o texto de um fora e em direção contrária torna-se uma declaração de amor? Não é dela, que nem era poeta, é de autor anônimo. E a tão divulgada crônica “Bunda Dura”, de Jabor, ou “Nem fodendo”, do Millôr? Idem. Além deles, Veríssimo, Quintana e Borges, entre outros, assinam involuntariamente textos que os internautas passam entre si, muitos deles escritos por autores anônimos. Sofrem desse mal até excelentes escritos de autores nada anônimos, como Martha Medeiros ou Kledir Ramil, que encontram na rede suas palavras assinadas por Veríssimo. Àqueles que introduzem o equívoco, deve parecer que ele é o patrono do humor.
Por sorte, “Há inúmeras pessoas de boa vontade trabalhando como autênticos detetives literários, separando os autênticos poemas de Mário Quintana das vastas emoções e pensamentos imperfeitos que compõe o spam nosso de cada dia”, escreve Cora Rónai, autora do imperdível “Caiu na Rede” (Agir, 2005). Ela colocou o tema em evidência e organizou uma compilação dos representantes mais ilustres desse baile de máscaras, esclarecendo suas autorias ou, quando isso não é possível, denunciando as falsas atribuições. Cora atribui a ação desses ghost-writters de verdadeiros escritores à busca de nomes que funcionem como avalistas, são “escritores que deliberadamente se anulam, conscientes do vácuo em que cairiam suas idéias”. Já, essa gente tão importante, deveria ter dito essas coisas…
Talvez em tempos de campanha eleitoral fique mais fácil de visualizar a independência que pode haver entre as palavras e seus autores. Temos aqui uma radicalização do fenômeno. Se na rede o nome do autor ganha vida própria, descola-se de seu texto, no discurso eleitoral qualquer coisa cola em qualquer outra. O que se diz pouco tem a ver com a cara e o nome do locutor, não guarda nenhuma lógica intrínseca, nem sequer parece ter algum tipo de destinatário humano. Assistimos a um espetáculo de bonecos ventríloquos, que enunciam um texto cifrado composto de enunciados clichês. São não-textos, sem autor, muito menos identidade. É um caso pior do que os falsos textos da rede, esses pelo menos têm remetente, alguém se responsabiliza pelo mail que enviou, mesmo que a mensagem invoque o nome de patronos involuntários. O discurso da maior parte dos candidatos é um texto impessoal, em código, proferido por uma face-ícone, desprovida até de olhar. São raríssimas as exceções onde algo é dito, onde parece haver alguém atrás das palavras que enuncia.
No caso dos apócrifos, podemos chegar à conclusão que não temos capacidade de julgar um escrito pela sua qualidade, prestamos mais atenção na etiqueta que no produto. Já quanto aos candidatos até o texto se perdeu. É como se fossemos à loja comprar somente a etiqueta, dispensando a mercadoria. Mas, que diferença faz, será que há alguém escutando?
Sabe aquela famosa poesia da Clarice Lispector, “Não te amo mais”, que quando lida de cima para baixo é o texto de um fora e em direção contrária torna-se uma declaração de amor? Não é dela, que nem era poeta, é de autor anônimo. E a tão divulgada crônica “Bunda Dura”, de Jabor, ou “Nem fodendo”, do Millôr? Idem. Além deles, Veríssimo, Quintana e Borges, entre outros, assinam involuntariamente textos que os internautas passam entre si, muitos deles escritos por autores anônimos. Sofrem desse mal até excelentes escritos de autores nada anônimos, como Martha Medeiros ou Kledir Ramil, que encontram na rede suas palavras assinadas por Veríssimo. Àqueles que introduzem o equívoco, deve parecer que ele é o patrono do humor.
Por sorte, “Há inúmeras pessoas de boa vontade trabalhando como autênticos detetives literários, separando os autênticos poemas de Mário Quintana das vastas emoções e pensamentos imperfeitos que compõe o spam nosso de cada dia”, escreve Cora Rónai, autora do imperdível “Caiu na Rede” (Agir, 2005). Ela colocou o tema em evidência e organizou uma compilação dos representantes mais ilustres desse baile de máscaras, esclarecendo suas autorias ou, quando isso não é possível, denunciando as falsas atribuições. Cora atribui a ação desses ghost-writters de verdadeiros escritores à busca de nomes que funcionem como avalistas, são “escritores que deliberadamente se anulam, conscientes do vácuo em que cairiam suas idéias”. Já, essa gente tão importante, deveria ter dito essas coisas…
Talvez em tempos de campanha eleitoral fique mais fácil de visualizar a independência que pode haver entre as palavras e seus autores. Temos aqui uma radicalização do fenômeno. Se na rede o nome do autor ganha vida própria, descola-se de seu texto, no discurso eleitoral qualquer coisa cola em qualquer outra. O que se diz pouco tem a ver com a cara e o nome do locutor, não guarda nenhuma lógica intrínseca, nem sequer parece ter algum tipo de destinatário humano. Assistimos a um espetáculo de bonecos ventríloquos, que enunciam um texto cifrado composto de enunciados clichês. São não-textos, sem autor, muito menos identidade. É um caso pior do que os falsos textos da rede, esses pelo menos têm remetente, alguém se responsabiliza pelo mail que enviou, mesmo que a mensagem invoque o nome de patronos involuntários. O discurso da maior parte dos candidatos é um texto impessoal, em código, proferido por uma face-ícone, desprovida até de olhar. São raríssimas as exceções onde algo é dito, onde parece haver alguém atrás das palavras que enuncia.
No caso dos apócrifos, podemos chegar à conclusão que não temos capacidade de julgar um escrito pela sua qualidade, prestamos mais atenção na etiqueta que no produto. Já quanto aos candidatos até o texto se perdeu. É como se fossemos à loja comprar somente a etiqueta, dispensando a mercadoria. Mas, que diferença faz, será que há alguém escutando?