Quem tem medo de teatro

Sobre o Porto Alegre em Cena em 17/09/2003

Na peça Hamlet há uma passagem na qual se encena uma apresentação teatral, ficando seus personagens colocados na função de espectadores. Hamlet providenciou esta representação e instruiu os atores para que a cena do assassinato de seu pai fosse reproduzida tal qual o fantasma lhe revelou que havia ocorrido. Para ter certeza de que seu tio e padrasto era realmente o culpado, durante a peça pôs-se a observar o seu comportamento. A reação violenta deste frente à encenação, funcionou para Hamlet como uma confissão do crime, reforçando sua determinação de vingança. Ao criar esta cena, Shakespeare supôs o espectador como personagem do drama, se ele se sentir tocado é porque no palco algo tomou forma. O teatro realiza tudo aquilo que a realidade virtual promete, você dentro da ficção. No teatro o ator e o personagem estão de corpo presente, não tente comer pipoca ou aproveitar o escurinho para uns amassos, eles estão te vendo.          O ator só poderá trabalhar se conseguir ser um só com seu personagem, acreditar-se nele, como aquele que mente tão bem que acredita no que diz. É uma experiência particular ver surgir diante dos olhos, sem edição nem efeitos especiais, um personagem convincente. Quando o ator entra no palco ainda não acreditamos em seu personagem, mas minutos após já esquecemos essa duplicidade e embarcamos na sua ilusão. Fascina-nos a falsa realidade dos reality shows, tanto quanto nos angustia a veracidade da mentira no trabalho dos atores. Se o fingimento deles é tão convincente, onde está então a verdade do que somos?

Quando qualquer um de nós compõe o personagem que encarnará num evento social, de trabalho ou até mesmo familiar, todo seu desejo, como o de qualquer ator, é de parecer genuíno. Já se disse que a vida é um palco iluminado. Afinal, tem maquiagem, marcação, cenário e figurino. O diretor habita nossa mente e é dos mais exigentes. O teatro evidencia quanto fingimento há na vida comum. Como o tio de Hamlet, temos vontade de fugir ao ver o ator suado, o corpo moldado e a entonação da voz inteiramente entregues ao personagem que lhe coube. Nesta possessão vemos retratada a farsa do que somos. Por isso é necessária alguma valentia para estar numa platéia onde se participa deste enredo que é uma peça de teatro. No palco, uma obra de arte nasce a cada apresentação, onde atores e público são protagonistas do fato. Não seja medroso, aproveite o Porto Alegre em Cena, vá ao teatro.

17/09/03 |
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