Reality Fórum

Sobre o Forum Social Mundial de 2005

Curiosamente chamamos de reality show a um programa cujo enredo transcorre numa bolha utópica, cujos personagens são pessoas de baixa densidade subjetiva, nos quais quase todas as variáveis são manipuladas para produzir um efeito previsível. Não estaríamos num território mais próximo da ficção? Ao mesmo tempo, muitos acredita-se que um evento como o Fórum Social Mundial, que hoje se inaugura, é uma convenção de sonhadores que carecem um bom banho de realidade. O FSM, tanto este como suas edições anteriores, reúne de fato sonhadores, porém, se o leitor freqüentar as suas atividades ou se informar a respeito delas, verá que o evento é acima de tudo uma convenção de práticas sociais, via de regra inéditas e inspiradoras. Precisamos rever nossos conceitos sobre o que seria real ou irreal.

Muitas pessoas levam uma vida similar à do Show de Truman, paródia cinematográfica inesquecível sobre a pausterização da vida como um ideal. Ali a existência transcorria num ambiente seguro e bucólico, com o mínimo de surpresas possível. Para Truman, assim como para a maior parte de nós, a realidade se resume aos circuitos em que convencionamos trafegar, em rotinas geográficas e emocionais pré-estabelecidas. Da TV esperamos que filtre o resto, formatando e dosando a realidade, de modo a torná-la suportável. A resignação é a parceira inseparável desse modo de vida e ela se afirma em ridicularizar os oponentes. Declara-se que eles seriam ingênuos ao querer questionar a grande engrenagem que nos move, faltar-lhes-ia uma visão realista. Estariam embriagados de boas intenções, das quais se sabe que o inferno está lotado.

As oficinas e palestras que se escutarão no Fórum contém depoimentos de pessoas que não se entrincheiraram atrás de desculpas. Movidos por assuntos que consideram prioritários (tais como ecologia, educação, economia solidária, agricultura auto-sustentável, tolerância e muitos outros), esses ativistas promovem experiências onde tentam provar ser factível o seu sonho. A maior parte desses projetos não encontrou a fórmula para se disseminar ou vencer outros modelos que lhes são conflitantes, muito mais fortes e bem armados. Mas convém ressaltar que, mesmo que restritas no espaço e no tempo, estamos falando de realidades. O Fórum é uma colcha de retalhos das boas intenções realizadas das quais, felizmente, o mundo está cheio. Não creio que os organizadores tenham a ilusão de que ali, naqueles dias de intercâmbio de experiências e impasses, se vá muito mais longe do que um alinhavo tênue de propósitos comuns. Mas já é algo. Por tudo isso, à guisa de boas vindas a todos aqueles que colorem nossa cidade com sua ousadia, gostaria de declarar que é muito bom que eles tragam sua realidade para nosso mundo de ilusões. Por medo, vive-se escondido do que é diferente, seja bom ou ruim, e mente-se que isso é ser realista. Às vezes, estamos é confundindo realismo com desesperança e covardia.

26/01/05 |
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