Sempre teremos Paris

Sobre insatisfação feminina e o filme Revolutionary Road

April e Frank Wheeler consideravam-se especiais, eram irreverentes, ele lutou no front da segunda guerra, ela queria ser atriz. A primeira pergunta que ela dirige a ele quando se conhecem: – o que você faz? Ele responde de forma literal, dizendo no que trabalha. Ela o corrige, não está interessada na realidade, mas no sonho: o que ele quer ser? Frank diz que está confuso, procurando se encontrar.

Embora reclamando, ele acaba achando algum sentido na vida suburbana que o casal vai montando sem pensar. Trabalha numa firma onde pode crescer, pega o trem todo dia, reencontra a família e a casa arrumadas ao voltar. April não sente o mesmo: sua carreira dramática não vinga e a rotina doméstica a enlouquece.

A história do casal Wheeler está num livro chamado Revolutionary Road (Richard Yates, 1961) que alude ao nome da rua em que eles moram. O endereço não podia ser mais paradoxal, pois é para acomodar-se e não para mudar o mundo que eles aderiram à típica casinha branca de família americana. Mas dentro de April a revolução borbulha e é isso que assistimos do começo ao fim do livro e filme (Apenas um sonho, Sam Mendes). Seu amor por Frank só reacende quando eles voltam a partilhar um sonho: mudar-se para Paris. Ela planeja trabalhar e ele ficaria um tempo estudando e tentando ser outra coisa, talvez escritor. April não quer dele o que os homens estavam acostumados a dar às mulheres: casa, sustento, filhos.

Não conto mais para não estragar o prazer de ver esse filme, na magistral interpretação do casal de atores protagonistas de Titanic. Digamos que eles encenam o que poderia ter acontecido se a tragédia não tivesse transformado aquele amor em apenas um sonho.

Entramos num tema que já foi maravilhosamente tratado em As Horas: aquilo que Betty Friedan na década de 50 chamou de “A Mística Feminina”, a insatisfação das mulheres com seu destino doméstico. Trata-se da onda de depressão que abateu as americanas do pós-guerra, que murchavam em plena época de prosperidade. Não estaria velha essa questão, como idosas estão as que foram suas protagonistas?

Provavelmente não, embora a vida das mulheres tenda a ficar cada dia mais próxima dos anseios de April. Hoje podemos viver destinos diversos, mas continuamos perdidas em devaneios, usufruindo do legado de insatisfação que nossas ancestrais nos deixaram. Para as acompanhadas fica a dúvida do que seriam se fossem livres, enquanto as solitárias sentem-se em dívida com o destino amoroso. Filhos estorvam quando existem e deixam um buraco quando faltam. Estamos sempre inquietas.

O filme nos lembra que os homens também estão mais interessados no que podem tornar-se do que no que são. Frank amava em April essa angústia, essa dedicação ao sonho, April amava em Frank aquilo que ele não realizou. Como na história de outro casal antológico do cinema, os apaixonados de Casablanca: no fim nós sempre teremos Paris.

01/03/09 |
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Um Comentário
  1. Rodrigo Coronel permalink

    Olá? Td bem?

    Eu assisti ao CPFL Cultura sobre o assunto da Família Contemporânea, e fiquei muito curioso pela frustração de não ter dado tempo de comentar sobre esse filme em específico, “Foi apenas um sonho”, ou “Revolutionary Road”, e essa curiosidade trouxe de volta meu interesse por esse filme em específico,…hj consegui ver, e vim aqui em busca de algum comentário mais esclarecedor sobre ele,….e gostei do que foi dito, mas me pareceu muito pouco, pois tive a impressão que vc tinha muito mais a falar sobre ele,….mas gostei muito do fato de vc ter preservado o filme, e de não ter revelado mais sobre ele pra quem quisesse assitir, nem todos fazem isso, pq amo cinema tb.

    Mas eu me vi nos dois personagens principais, mesmo sendo homem, me vi muito no personagem dela, de entender o peso e a importância de não aceitar a falsa felicidade imposta, e de não conseguir achar saídas justas pra isso,…, e achei curioso tb o fato das crianças quase não aparecerem no filme, entendi que elas não podem ser uma desculpa para nenhum dos dois lados, eles não se justificaram usando seus filhos….mas se pensa muito nos filhos vendo toda essa situação…enfim…eu poderia dizer muito do que senti sobre…mas se houver um meio de satisfazer minha curiosidade…sobre o que iria comentar no programa…eu agradeço…

    Obrigado

    Rodrigo Coronel

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