Sim, Senhor!
Sobre a escalação da seleção brasileira de futebol
SIM, SENHOR!
Fabrício Carpinejar e Mário Corso
Gaúcho com excesso de poder é getulista.
A teimosia vira orgulho que vira onipotência.
Entre tantas facetas do caudilho de São Borja, Dunga não escolheu reencarnar o Getúlio civil, eleito pelo povo, mas escolheu o Getúlio fardado, nem aí para a opinião pública, que toma o poder pela força e fecha o Congresso.
É o Estado Novo na seleção.
O histórico de vitórias (45 em 62 jogos) no comando do Brasil rendeu a convicção de que está no caminho certo. Afinal, ganhou a Copa das Confederações, Copa América e assegurou a liderança nas Eliminatórias. Qualquer divergência e já mostra rendimentos, índices de aproveitamento e lustra os troféus como medalhas bélicas.
A relação de vinte e três jogadores convocados é um exército, todos com a patente abaixo dele. Submissos, servis. Reina a política do “sim, senhor” para abafar as dúvidas. Não é o ideal de família de Luiz Felipe Scolari. Toda família aceita o filho arruaceiro, desobediente, malandro, pródigo, desde que compense com o talento no gramado. O exército não, recusa insubordinados, muito menos a democracia da crítica. Dunga não usa boné, mas quepe. Nunca convocaria Garrincha, nunca convocaria Romário em suas respectivas épocas. Só quem se sente Deus pede que o homem seja à sua imagem e semelhança. Dunga convocou 23 Dungas. Não é pela força que se monta uma esquadra vencedora. Se fosse assim, Suécia é que estaria procurando o hexacampeonato.
Trata-se da seleção mais previsível de todos os tempos, por isso a mais fadada a fracassar. Sabe quando as crianças estão felizes demais num almoço e desconfiamos de que algo vai acontecer? A África cheira a desastre. O técnico acertou tudo antes para poder falhar agora.
Não pretendemos transmitir uma ideia de catástrofe. É questão de lógica. O sistema de segurança solicita uma saída de emergência. Qual é a nossa?
Copa é curta e intensa (um torneio) e depende do crescimento do time dentro da competição, como lembrou Tostão. Não há vencedor por antecedência. Com exceção dos combinados que atuam em casa, que recebem um apoio emocionado da torcida e seguem adiante mais pelas arquibancadas do que pelo merecimento (Alemanha em 54 e 74, Argentina em 78, França em 1998).
A única forma de um favorito não se transformar em azarão é ter as zebras dentro de seu time. É dispor de Neymar e Ganso, uma dupla demoníaca que nunca jogou no exterior (isso é bom!) e poucos têm noção do que podem realizar, é dispor de Ronaldinho Gaúcho, com boas apresentações no Milan, que pode resolver uma parada complicada com uma cobrança ou lançamento.
Dunga tem um realmente um time pronto, uma escalação certa, um esquema ensaiado. Se alguma coisa der errado em campo, não terá como mudar. Seguirá cegamente a direção do vento, seja brisa, seja tempestade. O reserva é sósia do titular, praticamente semelhante em suas funções e habilidades. Júlio Baptista ou Grafite para substituir Luís Fabiano, por exemplo. Ou o leve e rápido Nilmar para socorrer a asa-delta de Robinho. Não há time reserva no Brasil, somente um mesmo time. Assustador pensar que carecemos de outra proposta no banco para alterar o ritmo da partida, nenhum craque que possa desconcertar e resolver em minutos um escore em desvantagem. As seleções concorrentes já sabem como o Brasil se posiciona, bem mais fácil prever marcações e anular as poucas virtudes ofensivas.
A visão de Dunga é do continuísmo: preservar quem foi fiel ao longo das temporadas. A lealdade é importante para campeonatos longos, a paixão é fundamental para campeonatos curtos. Falta paixão na seleção. Paixão é momento. É buscar o atleta em sua melhor fase, não tentar recuperar o atleta na Copa (olha como é delicada a situação de Kaká, o principal articulador).
Como chamar Doni, que é reserva do Roma, e não Victor, capitão do Grêmio, com defesas inacreditáveis na Copa do Brasil e Brasileiro? Por que chamar Nilmar, reserva do Villareal, e não Adriano, já que ambos estão mal?
Com suas metáforas militares, Dunga demonstra que parte para o front. Esse sim exige sangue, suor e lágrimas. Dunga nos parece um excelente general, mas não estamos indo para a guerra. A Copa precisa de sangue e suor, próprios da luta, mas requer muito mais de samba e ginga, caracerísticas da festa. O país do carnaval desdenha o pandeiro e a cuíca e embarca com violino e harpa.
O gol nasce dum rompante de gênio, às vezes duma molecagem. Como que uma equipe relógio, uma equipe de soldados fugirá do óbvio? Avançará por empates e superações parciais, no máximo, estudando o terreno com reserva e cautela.
Nossa diferença com Dunga é que ele torce pelo país, torcemos para o grande futebol. Os dois não convergiram em 2010.
Vamos rezar para que aconteça uma rebelião dentro do grupo que quebre o esquema engessado. Deve haver algum infiltrado. Só um motim nos salva.